Um vídeo que circulou pela internet, com imagens gravadas de uma câmera de segurança de condomínio residencial, em Brasília, mostra um caso que chocou até a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, segundo o jornal Correio Braziliense.
Pelas imagens, um pai enfurecido imobiliza uma criança de 6 anos de idade para que seu filho, de 8, bata no rosto do “coleguinha”. Até então, o pai acreditava que este coleguinha havia machucado seu rebento.
Pelas imagens, a constatação do erro.
Crianças jogavam futebol na quadra quando uma delas tropeçou na bola, caiu e machucou-se com sangue. A criança chora e some do alcance da câmera.
Minutos depois, o pai surge, indignado, com um chinelo nas mãos, segura para trás os braços do suposto “agressor” de seis anos e ordena que o filho faça o trabalho da vingança, sob os olhos de cerca de dez outras crianças que estavam na quadra.
Logo em seguida, a mãe também entra na quadra, empurra a criança e faz gestos de briga.
A pergunta é: estamos prejudicando nossos filhos sob a ilusão da proteção?
Onde está escrito que para formarmos cidadãos fortes, conscientes e justos temos que usar a violência, a falta de diálogo, a superioridade, a mentira?
Sim, porque se o menino não disse ao pai que tropeçou na bola, que não foi o colega que bateu, ele já aprendeu que deve mentir para ganhar atenção.
Porém, ainda que tivesse apanhado do colega no jogo de futebol, que criança nunca pegou uma rasteira, uma bisca, um beliscão, um puxão de cabelo?
Claro que dói em nós, pais, quando machucam nossos filhos, sim, sem dúvida. Quando sofrem bullying, quando são preteridos, e tantos outros “quando”, pois não queremos que nada de ruim aconteça à nossa cria. Mas, talvez esteja aí um dos erros.
Não dá para protegermos 100% de todo o mal, amém. E nem é saudável querer essa proteção, pois seria oferecer uma vida em bolha.
Vai acontecer muita coisa ruim com os filhos, pois conosco também aconteceu e ainda acontecerá. E é assim que exercitamos nossa resiliência, nosso raciocínio por soluções, nossa empatia, nossa seletividade, nosso perdão.
Se desde pequenos formos acostumados a resolvermos na pancadaria todos os acontecimentos negativos e quisermos adotar esta forma de viver, poderemos ocupar um lugar de vítima perigoso para nós mesmos.
Será o mundo contra mim. Eu na defesa do mundo. Ninguém poderá contrariar meus planos, por menores que sejam, pois estará ameaçando minha paz. E que se dane a paz do outro se for para defender a minha.
Penso que devemos refletir sobre a responsabilidade que cada cuidador de uma criança tem na formação das memórias dela. Tanto na mente da nossa criança quanto na dos outros, pois as outras fazem parte da nossa responsabilidade também.
Ter um filho é mais que alimentá-lo da boca até o estômago. O que falamos e fazemos para nós e para os outros ficará registrado na mente dele e mais tarde servirá de base para sua própria estrutura de vida.
Cabe a nós colaborarmos para uma base sólida, aonde ele recorrerá em situações de tensão.
Quem não prepara o terreno mental de uma criança com sementes férteis da partilha, gratidão e perdão está enfraquecendo este ser, embora pareça que o grito denota força.
A agressão que este menino de 6 anos de idade sofreu pode causar dúvidas quanto ao merecimento de liberdade de escolha na vida adulta: “É só agressão que mereço”.
Mais tarde, essa violência pode ser consentida por meio de um casamento massacrante, emprego humilhante, migalhas de amizade, etc.
Quem na infância não fortaleceu sua autoestima de forma saudável provavelmente terá mais dificuldades para acessar o que a vida tem de melhor. Vai nivelar-se por baixo, conformar-se com as sobras.
O impacto que a criança agredida sofreu poderá ser arquivado na mente dela com questões do tipo: Por que apanhei? Por que ninguém me defendeu? Sou ruim? Mereço sofrer?
E as afirmações na criança que agrediu podem surgir do tipo: Ninguém pode me derrubar. Não posso perder. Se meu pai mandou eu bater, então é porque é assim que tem que ser.
O resultado dessa triste história pode ser ainda mais triste, pois é possível que os pais da criança sejam punidos com prisão, e sabe-se lá o que acontecerá no futuro desta criança forçada à agressão ao ter que separar-se de seus pais por sua própria “culpa”.
Além disso, o caso envolveu também as famílias, os vizinhos, enfim, em nada agregou positivamente à vida de ninguém.
O que podemos fazer é pensarmos sobre o que estamos ensinando às novas gerações. E sermos honestos nas respostas.
Se concluirmos que não estamos preparados para ensinar uma criança pela via da educação e do amor, que peçamos ajuda para tentarmos mudar nosso comportamento.
Melhor ainda se fizermos essa reflexão antes de sermos pais, e termos a coragem de admitirmos que não deveremos ser.