Quer reaprender a ser livre? Ouça as crianças. Elas nos desafiam o tempo todo a voar, embora tentemos a todo custo aprisioná-las em gaiolas convencionais que nada acrescentam à liberdade.

Meu filho, com dez anos de idade, adora pizza com a mesma intensidade com que adora sorvete de sabor Ferrero Rocher, uma marca de chocolate com avelã que foi abduzida pelas sorveterias.

Adora os dois. Não classifica quem vem primeiro. Se puderem vir juntos, melhor ainda.

Há algo de complicado nisso? Sim, há. A mãe dele.

Saímos para passear com o objetivo de ir à pizzaria de que mais gostamos e depois tomarmos o sorvete “dos deuses”, como ele diz.

O melhor é que os dois estabelecimentos divinos ficam na mesma rua.

Quando chegamos à pizzaria, o plano A falhou. Estava fechada.

Acionamos a hipótese no plano B. A segunda pizza preferida, um pouco distante de onde estávamos.

E aí o pequeno grande homem bagunçou meus neurônios organizados na caixinha…

“Mãe, já que estamos perto da sorveteria, bora logo tomar o sorvete. Depois, a gente pega a pizza”.

Como assim, sorvete antes da pizza?, reagiram em segundos meus tico e teco neurais.

“Filho, não tem lógica comer o doce antes do salgado”

“Por que?”

Porque sempre se come o salgado antes do doce”

“Por que?”

“Porque é melhor o doce depois do sal, você não acha?”

Para mim, tanto faz quem vem primeiro. Eu gosto dos dois”. (Há de haver uma explicação para comermos o sal antes do doce, para eu sustentar minha convicção e partir em retirada ao plano B).

Lembrei dos hábitos dos franceses que saboreiam a salada antes do prato principal. Ou dos portugueses, que costumam tomar sopa como entrada para o almoço. Sim, mas cadê a explicação doce/salgado? Ordem, ordem, ordem. Cadê a explicação para esta ordem?

“Bora, mãe. Tá aqui pertinho”

“Filho, eu não vou comer sorvete antes da pizza”

“Tá. Só eu como”

(Pensa, pensa, pensa…)

“Tudo bem, mas ainda acho que é doidice” (profundo argumento encontrado: doidice. Aff)

Foi o maior sorvete da vida dele!

Parecia que o balconista sabia da nossa conversa e, como que zombando da minha caixinha, não parava de socar sorvete na casquinha artesanal até quase estourar a casca de biscoito mais gostosa do universo.

Enquanto ele preparava, eu pensava em como podemos travar a fluidez da vida.

Está com vontade de comer sal antes do doce? Coma. Pelo menos, neste caso, ente pizza e sorvete, não se trata de priorizar o que tem mais vitaminas, pois são duas bombas calóricas que nos presenteamos nos fins de semana.

Aliás, outra questão sobre convenção inútil: só podemos nos presentear no fim de semana? Não seria por isso que ansiamos tanto pelo final da semana e deixamos de viver plenamente o durante?

A exposição dos cerca de 30 sabores de sorvete no refrigerador tomou outra forma aos meus olhos.

Admirei cada bandeja com massa em formato de onda de diferentes cores, entre pedaços de frutas, bolinhas de brigadeiros, raspas de biscoitos…

Deu até pena de desmanchar a obra de arte. Fiquei ali comendo com os olhos.

Mas brilhando mesmo ficaram os olhinhos arregalados da criança que recebeu o presente gelado.

“Mãe, que grandão!”

A cada colherada que ele dava, uma afirmação de gratidão ao inventor do Rocher. “É o melhor sorvete da vida”“É muito bom”…. “E essa casquinha?”“Como podem ter inventado isso?”

Eu já estava rindo de mim neste momento, pois comecei a sentir vontade de comer o raio do sorvete.

“Dá um pouquinho, filho”

Engana-se quem pensou que a resposta foi Ah, não disse que é doidice comer o doce antes do salgado?”

Não. Crianças não tripudiam. Elas querem mais é que nos alegremos com elas.

“Não é dos deuses, mãe?”

“Sim, é muuuuito bom!! Vamos pegar a pizza agora. Você não vai aguentar comer, né? Depois de um sorvete imenso desses”.

“Claro que vou. Aquela pizza é maravilhosa também”

Ok, tudo é divino, tudo é maravilhoso, diria Belchior. E seguimos para concluir a doidice.

Acho incrível o poder das crianças de desafiar regras.

Certa vez, um amigo dele foi dormir na nossa casa, e, ao acordarem, eu dei o básico comando da escovação de dentes, ao que o pequeno reagiu:

“Mas, tia, eu vou tomar café e sujar os dentes. Depois do café eu escovo, porque aí eu faço uma vez só, né?”

“Não, sr.  O ideal é você escovar antes e depois do café, não acha?”

“Por que, tia?”

“Porque quando acordamos nossa boca está precisando de limpeza, pelo tempo em que ficamos com ela fechada, dormindo”

“Mas quem vai cheirar minha boca?”

Ai, Jesuuuuuuix…

“Você faz assim na sua casa?”

“Faço”

“Então, tudo bem. Você escova depois”

Há décadas eu escovo os dentes antes do café. Sou apegada a algumas rotinas. Preciso delas para fazer rodar melhor meu dia.

Aos que também gostam de alguma ordem diária, o escritor americano Hal Elrod pode colaborar, mas não sem antes desafiar nossas regras.

Hal mudou toda a sua vida depois de um acidente de carro em que quase morreu.

Estava no auge de sua carreira profissional. Compromissos, reconhecimentos, dinheiro, mas pouco tempo para a família e solitude.

Ficou internado por muitos dias, com a possibilidade de não voltar a andar. Porém, desafiou as probabilidades e recebeu nova chance para viver de forma integral, sem sequelas físicas.

A partir de então, ele avaliou todos os aspectos da sua existência para além do profissional.

Entendeu que a prosperidade deve estar também na saúde, na espiritualidade, na intelectualidade, no lazer, nas relações afetivas.

Decidiu mudar e criou um método compartilhado no livro “O Milagre da Manhã”, em que propõe que o dia inicie uma hora antes do habitual de cada um.

A proposta é acordarmos às 5h e turbinarmos a primeira hora da manhã com meditação, leitura de afirmações positivas, trecho de livro, escrita, atividade física e banho. Só a partir daí iniciamos a agenda de compromissos do dia.

É como se disséssemos para o universo que a primeira hora do dia será toda nossa. Uma conexão entre agradecimento por estar vivo e pequenos presentes oferecidos a nós mesmos.

O método estabelece minutos para cada atividade, e é impressionante como uma simples mudança de hábitos pode alterar o ritmo do dia inteiro. Sentimos uma alegria genuína, um contentamento pelo simples fato de existir.

Claro que ao compartilhar este método com meu filho, ele questionou a ordem e o tempo sugerido para cada atividade. E mais uma vez ele está certo, pois cada rotina é individual. Podemos conceder mais tempo à escrita do que à atividade física, por exemplo.

Por enquanto, não terei meu filho como parceiro de meditação às 5h30. Ele está na fase em que dormir é a segunda melhor coisa que existe (a primeira é o sorvete Ferrero Rocher, claro).

É que o tempo parece eterno para as crianças e os adolescentes. “Temos todo o tempo do mundo. Somos tão jovens”, cantei na juventude com Renato Russo.

Com o passar do tempo, percebemos que perdemos tempo quando achamos que o tempo está à nossa disposição. Que ele nos obedece, que para quando está tudo muito bom; que voa para esquecermos de algo ruim.

Não, o tempo segue no mesmo ritmo. Nós que aceleramos, estagnamos ou seguimos em marcha lenta.

Mas, ao avaliarmos nossa vida em blocos, como fez o escritor Hal Elrod, podemos alterar a prioridade das coisas que achávamos tão definitivas.

Podemos questionar o óbvio como fazem as crianças.

E se podemos imaginar, podemos realizar. Vai parecer milagre.

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IDT indica

O Milagre da Manhã, Hal Elrod.

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