“Estou com vergonha das minhas redes sociais”, comentou comigo uma pessoa extremamente sensível e dona de uma vida financeira confortabilíssima. Tem que ter muita humildade para uma autocrítica dessas. Ela não estava criticando as redes dos machistas opressores, das pessoas fúteis, da esquerda ou da direita, ela falou: “das minhas redes”.
Temos feito essa análise?
O que estamos mostrando nas nossas redes?
Nossa vida invejável? Nossa ira disfarçada de indignação social? Nossa indignação de fato? Nossa família perfeita? Nossas superações? Nossa beleza física?
Antes da pandemia, quando havia a liberdade de viajar, essa lista era maior, pois mostrávamos as viagens espetaculares com o carimbo oculto “Eu posso”. Problema seu se não pode tacar neve no outro numa segunda-feira de março. Eu posso.
Problema seu se não pode tomar um drink numa ilha exclusiva, naquele bangalô sobre a areia fina e branca, com o mar azul reluzente ao fundo. Eu posso.
Problema seu se não pode, e é melhor que não possa mesmo, porque aí que está a graça da coisa. É preciso mostrar que pode o que nem todos podem.
Como crianças que mostram os presentes que ganharam no Natal, estamos mostrando diariamente o que temos. É como se o Natal fosse todo dia. Mas, o que seria de uma festa de Natal todos os dias, sem a espera pela montagem da árvore; da decoração com as luzes na cidade; do reencontro das famílias; da surpresa do presente; da partilha à mesa, enfim, sem o brilho da expectativa?
O ser humano é exibido mesmo, mas não estamos sós. Os animais irracionais também gostam de aparecer. Que o diga o pavão, que abre seu leque de 200 penas coloridas para impressionar a fêmea, ou um pássaro da Nova Guiné que joga parte de suas penas pretas para trás, formando uma capa, para exibir seu peitoral azul e dançar ao redor da amada. Um espetáculo digno de redes sociais, embora ele o faça no meio da floresta, a sós com ela. Seu nome já diz a que veio: soberba ave-do-paraíso.
A diferença entre lá e cá é que eles fazem isso apenas no período do acasalamento. Não se exibem o tempo todo e não fazem a menor questão de conquistar todas as espécies do reino. Irracionais? Sei.
Mas, é preciso admitir que o nosso exibicionismo existe desde antes das redes. As colunas sociais dos jornais impressos já foram muito disputadas nos anos 80 e 90, assim como as revistas que traziam fofocas dos artistas. As celebridades abriam suas residências e tiravam fotos simulando o momento feliz no café da manhã com suas louças de porcelana dinamarquesa, cabelo escovado, batom e salto alto. A diferença é que antes as pessoas tinham que pagar para exibirem suas vidas. E, dependendo do colunista social, nem pagando daria jeito da pessoa escovada sair no jornal.
Já nas redes, a mesma pessoa pode ser colunista e colunável. Ela decide o que postar e quando postar. E aí é que o limite se perdeu. Passou e muito do café da manhã. Entrou pelo almoço, maquiagem, treino, graça do filho, preguiça do gatinho, briga do casal, carão de beijo, e o mais emblemático nas redes: as dancinhas.
É como se nos entregassem 50 revistas de fofocas por dia para folhearmos.
Quem lê tanta notícia?, perguntaria Caetano.
No período pré-redes, existia um hábito mais divertido. Era comum a pessoa reunir em casa seu grupo pequeno de amigos para mostrar o álbum da sua recente viagem e contar a história de cada foto revelada. Não era impressa, era revelada.
O álbum era passado de mão em mão, e as fotos provocavam risos, pois não havia filtro para corrigir as imperfeições na barriga de barril. Várias perguntas surgiam da curiosidade. Não tinha como ignorar as fotos sem nenhuma curtida ou comentário presencial. E o comentário tinha a ver com as fotos, não com o partido político de quem viajou.
Concluído o compartilhamento da viagem, fechava-se o álbum e a conversa seguia seu rumo. O grupo não tinha mais do que cinco pessoas. Cinco pessoas que estavam, de fato, interessadas no que foi experienciado naquela viagem.
Você é capaz de imaginar sua rede social atual com cinco seguidores? Como explicaria um fiasco desse em um tempo onde o sucesso é medido pelo perfil que salta de mil para milhões? Como você seria invejado apenas com cinquinho na sua cola?
Após fecharem o álbum, uma nova viagem no grupo de cinco era agendada. Havia a convicção de que seria bem melhor se fossem todos juntos. Seria quase certo que não realizariam a viagem em grupo, mas o fascinante estava na construção dos sonhos em conjunto e ninguém além deles precisava saber do que estava sendo compartilhado ali.
Este tempo passou, mas um alento para hoje é que se as pessoas sensíveis começam a ter vergonha de suas redes, é porque deve estar ocorrendo algum movimento debaixo deste tapete persa e isso é bom sinal.
Se por um lado ainda existem pessoas comprando seguidores para impressionar todo mundo, como pavões impressionando leoas, vem vindo na contramão pessoas “limpando” suas redes, excluindo seguidores que não têm a ver com seus valores ou que não interagem de forma construtiva com elas.
Há quem venha fazendo segmentações de suas redes em vários nichos específicos: uma página só para o trabalho, outra para amigos e família, outra para mensagens positivas, para reflexões sociais e políticas, para fotos de viagens e por aí vai.
Talvez seja um caminho interessante. Não abrirmos nossa vida no todo para todos. Nem todos vão vibrar de verdade com a nossa foto nas casinhas brancas de Santorini, ou compactuar com o nosso propósito no trabalho. Nem tampouco ficarão felizes com as pequenas vitórias dos nossos filhos. Talvez uns cinco vibrem positivamente por nossas conquistas. Voltamos aos cinco. Sigamos com estes.
Foto da capa: TIM LAMAN
____
Para ouvir o texto:
____
Citado no Texto
Vale a pena ver a apresentação da soberba ave-do-paraíso. Confira abaixo: