Você tem impressão que o mundo inteiro descobriu a meditação? São vários aplicativos e tutoriais ensinando a meditar, e nas entrevistas sobre saúde é quase certo que o médico recomendará a meditação como recurso para o viver bem.
A meditação saiu dos retiros budistas para a prática de poucos minutos, antes de iniciar a rotina diária. E nada mais é do que praticar a entrega, a confiança, a aceitação e a gratidão. É o momento do desligamento do ego, da certeza das respostas pela lógica, para o mergulho ao mais misterioso dos mundos, que é o nosso mundo interior.
Muitos estão encontrando este lugar silencioso e decidem fazer com que mais e mais pessoas experimentem esta forma de viver centrada na serenidade, na ligação com algo maior, e que nem é preciso denominar, basta perceber-se. Perceber a respiração, o som do nada, dos pássaros, da moto em velocidade, da porta que bate, e voltar para a respiração.
Prestando atenção na respiração, não tem como não agradecer por isso, principalmente em tempos de pandemia, quando percebemos que o oxigênio é a molécula mais valiosa da vida.
Neste momento de entrega, quando não se pergunta nada, apenas se agradece, é quando podemos nos colocar no nosso lugar de humildade. Silenciamos para receber a direção certa. Silenciamos para agradecer o que recebemos, pois talvez nem merecêssemos tanto. É um momento de ligação tão grande com a existência e que, por isso, provoca a sensação de paz, de razão para viver. Há algo maior do que eu, do que você, do que os boletos e do que a corrida pelo primeiro lugar no podium. Há algo maior que nos une e que no conjunto faz a beleza da criação.
Mas será que ao final desses minutos de conexão, ao iniciarmos os afazeres do dia, continuamos com a sensação viva de entrega, aceitação, confiança e gratidão?
A pessoa medita todos os dias e sabe que o melhor a fazer é soltar o problema. Já estudou muito sobre o assunto e sabe que quando queremos uma coisa, já emitimos o sinal para o universo e devemos seguir com a vida, trabalhando para favorecer a realização do objetivo, do sonho, mas sem pressionar. Os cientistas de mecânica quântica dizem que quando colocarmos força sobre um determinado desejo acontece o efeito zenão, isto é, a realização deste desejo escapa.
Quando os acontecimentos desviam a rota desenhada por nós, cadê a aceitação zen? A gente trata logo de dar uma forçadinha para o nosso plano caber no plano da vida. Fala com um aqui, dá ideia para outro ali. E tem a sensação boa de comandar o tabuleiro de xadrez da existência.
Quando não teve jeito mesmo de acontecer o que queríamos, a gente até dá uma de humilde e diz que “Deus sabe o que é melhor para mim”. Por alguns minutos, até parece que entregou e confiou, mas Deus tá vendo a gente mentir!
A mente não larga o osso assim fácil. Ela dá um jeito de detonar o gatilho da insegurança, afinal Deus sabe o que é melhor, mas como vamos detectar o que Deus sabe? E se não estivermos vendo os sinais divinos? Se estamos passivos demais? E voltamos a agir como nós queremos. E tudo volta ao zenão de antes.
Por outro lado, há quem delegue tudo para Deus. É como se a criatura tivesse vindo para a Terra para fazer absolutamente nada de construtivo para ele e para os outros. Ele veio só curtir a vida. É convicto que, por obra e graça do destino, vai aparecer a pessoa certa, na hora certa, para dizer o que fazer. Entende ser isso que é deixar fluir a vida. Mas, o administrador, especialista em Psicologia Transpessoal, Louis Burlamaqui, explica em seu livro Flua que viver uma vida fluida não tem nada a ver com passividade.
Segundo ele, é estar atento aos ladrões do tempo e energia, com planejamento eficaz da agenda, não priorizando urgências de terceiros, bem como estar atento às palavras e modificar hábitos nocivos. “Ser fluido é se unir aos pactos saudáveis em determinado momento de sua vida”, diz.
Antes de formarmos os pactos, é preciso saber o que é saudável para nós. Então, tem uma fila de verbos, além do fluir: refletir, analisar, medir, perceber. Logo, ser fluido, estar entregue, não é ficar boiando, mas agir. Agir identificando o que não está fazendo bem, o que está incomodando, e, se for o caso, dar um outro rumo na vida.
Uma estratégia é estar na plateia da própria vida, observar os acontecimentos como se fossem de outra pessoa, e refletir: este movimento apresentou quais tipos de novas pessoas, novos lugares, novos ensinamentos? Como estou me sentindo com essas novas ligações? As respostas são os sinais divinos, que vão informando ao nosso corpo se estamos no caminho certo.
Decisões significam abrir mão de uma escolha por outra. Às vezes somos nós quem decidimos; às vezes, decidem por nós. O que os tutoriais de meditação dizem é que se estamos conscientes em cada acontecimento, saberemos o que é nosso, o que é do outro. O que podemos alterar e abraçar, o que podemos descartar. Como uma coleta seletiva: isso serve, isso pode ser consertado, isso é do outro, isso é lixo.
O estar desperto proporciona que todos os dias estejamos atentos, tentando ser o mais autêntico com o que acreditamos ser bom para nós. Nestes momentos, surge a vontade incontrolável de agradecer. Silenciosamente.
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