A vida seria menor sem a união da música com a letra. Não bastasse nos emocionar, a canção nos passa informações que podem alterar nossos pensamentos e sentimentos. Pode não ter lido Eclesiastes, mas se ouviu a Pitty cantar “Não deixe nada pra semana que vem, porque semana que vem pode nem chegar”, captou a mensagem do livro bíblico que diz “Tudo é fugaz, uma corrida atrás do vento”.

Sem saber, os fãs de Renato Russo aprenderam, por exemplo, a poesia de Luís Vaz de Camões. Quem é fã da Legião certamente parou para tentar entender como é que é servir a quem vence, o vencedor. Como assim? O vencedor não quer vencer? Quer servir a quem vence? Sim, e não foi Renato quem escreveu. Mas aprendemos com ele que no amor estamos presos por vontade, exatamente o que diz o poema do português Camões. Tão contrário a si é o mesmo amor

O alagoano Djavan não tem ideia disto, mas uma criança de 11 anos aprendeu o que é adaga por causa de uma música sua. Eu era apaixonada pela canção Samurai, mas minha mente infantil não entendia esta parte: “Traz uma adaga e me afaga a pele”. O que é a adaga que afaga? Quando descobri que era uma espada, fiquei mais confusa. Espada não machuca? Somente anos depois, percebi que cantava errado, era praga. Mas já sabia tudo sobre adagas.

Também foi ouvindo música que fui tentar entender por que Caetano e Gil diziam que o Haiti é aqui. O mesmo Gil que surpreendeu ao falar de Física Quântica, quando este tema ainda era restrito aos cientistas. O Gil, aliás, tem um poder visionário de tratar diversos e profundos assuntos. Por causa dele, fui saber o que é esoterismo. Até que nem tanto esotérico assim. Se sou algo incompreensível, meu Deus é mais”. Ele também ousou a levar para o palco, em 1979, num Brasil tão conservador, o que é um super-homem de verdade: “Minha porção mulher que até então me resguardara é a porção melhor que trago em mim agora”.

Cinco anos depois, o compositor Pepeu Gomes ainda chocou os machistas quando cantou que ser um homem feminino não fere o seu lado masculino. E quarenta anos depois, o compositor Tiago Iorc nos presenteia com mais uma reflexão sobre o homem real, na canção Masculinidade.

Quem acompanha o Tiago, sabe que ele havia sumido das redes sociais. Ao retornar com esta canção, apagou todas suas postagens anteriores, como que passando a vida a limpo. Não há como ignorar esta letra:

“Cuida, meu irmão, do teu emocional, cuida do que é real. Eu me tornei um homem reprimido, meio sem alma, meio adormecido. Me vi traindo por ter me traído. Me assombra se o que eu digo é o que eu devo. Um eco de medo. O que será que vão dizer? O que será que vão pensar? A rejeição ensina cedo: seja bem bonzinho ou então vão te cancelar. Esse homem macho, machucado. Esse homem violento, violado, homem sem amor, homem mal-amado. Precisamos nos responsabilizar, meus amigos. A gente cria um mundo extremo e opressivo. Diz aí se não estamos todos loucos por um abraço… Cuidado com o excesso de orgulho, cuidado com o complexo de superioridade, cuidado com desculpa pra tudo, cuidado com viver na eterna infantilidade… Minha alma é profunda e se afoga no raso…O que é ser homem? Homem real e não ideal. Ser homem exige mais do que coragem, muito mais do que masculinidade. Ser homem exige escolha, meu irmão”.

Prestemos mais atenção nas canções. Elas querem nos ensinar. E podem ampliar a nossa forma de ver o mundo.

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Obs: A foto do card foi em 2020, nos meus 50 anos. Tentei peneirar as 50 canções que marcaram minha vida

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CITADO NO TEXTO