Lá vem o fim do ano com aquelas listas de desejos que fizemos com toda boa-fé no ano anterior. Estas listas se divertem com a nossa esperança. Brotam em nossa mente e alimentam a expectativa de que a vida será bem melhor. Aprenderemos uma segunda língua, faremos a especialização que agrega, voltaremos a entrar na calça de cinco anos atrás, viajaremos para além dos mesmos lugares, priorizaremos os velhos amigos, daremos adeus aos veneninhos aliados, como álcool e açúcar, conseguiremos o emprego dos sonhos, pouparemos 20% do salário, dormiremos e acordaremos uma hora mais cedo, e por aí vai…
Fazer listas dá uma adrenalina danada porque estimula a imaginação. Somos capazes de ouvir o zíper da calça 38 fechando facilmente. Sim, somos capazes de fazer mais. Somos capazes de enroscar as pontas dos pés por detrás da cabeça, saltar de montanhas, rodopiar em patins no gelo, andar sobre uma corda suspensa, domesticar cão bravo, enganar jacaré e até de conviver com quem é totalmente diferente de nós. Nossos poderes são ilimitados. Podemos muito mais do que imaginamos, mas só de imaginar um pouquinho além da nossa vida previsível já dá um gás diferente. É por isso que essas listas são tentadoras e lotam as academias em janeiro.
O problema é a qualidade duvidosa do gás das listas. Vai rareando até acabar de vez lá pela Páscoa, quando a onda de chocolate invade, eliminando de uma vez dois itens da lista. Nosso diálogo interno vai dando um jeitinho de esconder nossa esperançosa lista em algum lugar perdido da inconsciência.
Por que fazemos isso? Não temos autoestima? Penso que não seja por aí, já que todas as ideias da lista foram para o nosso bem. Talvez seja porque as listas parecem divertidas, mas não são. Elas vêm com peso de culpa, de cobrança, apontando dedos para nossos fracassos. E quem é feliz remoendo fracassos? É como o aluno que tem que passar de ano se não quiser apanhar, ficar sem jogar ou sem férias. Sempre uma condição ruim por trás. Um castigo acompanhado pela comparação. Se não entrar para a academia, vai ficar bem diferente da deusa fulana que treina todo dia.
Talvez uma tentativa mais amistosa seja tentarmos um ritual diferente para a próxima lista, sem o peso da obrigação. Com a leveza de um passarinho bicando sua comida. Reparem que ele faz uma bicadinha aqui, outra ali, até sentir-se satisfeito e voar. Ele não tem obrigação de se empanturrar de alpiste, por mais que tenha fartura para ele. E se alguém se aproximar para espiar o que ele está fazendo, tchau. Não tem que provar nada para ninguém. Deve ser maravilhosa a vida dos pássaros, voando sozinhos ou em bando, cantando, comendo só o necessário, viajando por aí. A mais perfeita definição de liberdade e confiança no universo.
Existe grande diferença entre fazer um curso obrigatório e um escolhido livremente. Se somos obrigados a ter mais um curso, ok, vamos fazê-lo, mas é possível acrescentar na lista aquele outro desejado e que ninguém nem precisa saber. E assim vamos melhorando a lista. Se tem que estimular os músculos, pode fazer uma aula com pesos aqui e outra de dança ali. Se aprender uma língua é um suplício, mas a sua permanência no emprego depende disso, que seja feita a vontade dos outros, mas dá para inserir no outro dia aquele curso de jardinagem ou de escalar montanhas.
A sensação do dever cumprido é boa demais, mas a do cuidado conosco é incomparável. Incomparável como a nossa vida poderia ser. Sem gaiolas.