Dizem que a forma como nos vestimos é nosso cartão de apresentação, pois demonstra se nosso perfil é clássico, moderno, natural. Mas acredito que a forma como decoramos e cuidamos do lugar onde moramos fala mais alto sobre nós. Tanto que se moramos num lugar sem a nossa cara, tratamos de colocar sobre a mesa um porta-retratos, uma plantinha. Algo que marque o nosso território, como um cão faz ao deixar seus pinguinhos pelos cantos.
Podemos vestir uma roupa que ganhamos, por mera conveniência ou gratidão. Podemos comprar alguma peça em promoção, mesmo sem gostar da cor. Podemos usar um abadá na academia, apenas porque o tecido é mais leve. Mas numa casa, não. Se aquele objeto que ganhamos estiver em destaque na sala, pode ter certeza de que gostamos dele. Se não, teria sido escalado para um cantinho qualquer.
Se a pessoa morar sozinha, aí mesmo é que conseguimos desvendar partes de sua personalidade. Identificamos de cara se é organizada, por exemplo. A casa pode até não estar impecável, mas percebemos a tendência da padronização nos potes, na forma de arrumar a cama e as almofadas. Existe um cuidado por trás da bagunça provisória.
Mas nem todos gostam de decorar a casa. Escolhem uma roupa que embeleza o corpo, mas não têm paciência para escolher a cor da tinta das paredes para onde olharão todos os dias. Preferem delegar essa missão. Já vi gente que adora as formas e cores do Romero Britto mas não tem tela do artista em sua casa porque alguns críticos dizem que o que ele faz é comercial demais, que não é arte. Como podemos permitir que estranhos determinem nossa forma de viver na nossa casa?
Dia desses, uma colega estava com uma dúvida sobre um quadro para a sua primeira casa de casada. O arquiteto havia escolhido dois quadros com muitas folhagens, mas ela não gostou. Ele enviou outras opções e ainda assim não agradou. Perguntei o óbvio.
– Por que em vez de o arquiteto escolher para você, você não faz uma busca na internet e escolhe o que mais tem a ver com vocês dois?
– Com nós dois?, assustou-se a noiva
– Ué, você vai morar com seu marido ou com o arquiteto?
Perguntei se ela não teria uma foto de paisagem tirada por eles em alguma viagem especial, algo que tivesse a ver com a história deles para selar este início de vida conjugal. A cada passada pela sala, aquela imagem reforçaria a escolha dos dois. Mas ela disse que o arquiteto não concordará com a ideia.
Desde já, um terceiro entre os dois…
O que acho mesmo interessante é uma casa que conta um pouco da história dos moradores. No momento em que escrevo este texto, observo na estante uma caixa forrada de chita com flores em tons fortes que Frida Kahlo adoraria. Ao redor da caixa, bandeirinhas coloridas e dois chapéus de palha minúsculos. Há anos esta caixa está comigo. Talvez um decorador recomendasse que eu doasse a caixa espalhafatosa. Mas ele não sabe o significado imenso que a caixa tem para mim. Em um período difícil da minha vida, uma amiga me presenteou esta caixa contendo guloseimas de festa junina. No cartãozinho, o desejo dela para que a minha vida ficasse mais doce. Sempre coloco a caixa em lugar de destaque para relembrar um gesto tão carinhoso.
É assim que construo meus ambientes. A cada passeada de olhar, as coisas conversam comigo. Lembram que gosto de viajar, de música, de incenso, de filosofia, de estudar, de brincar com meu filho, de brindar com amigos e que fui muito feliz com meu cachorrinho Chicó. Tenho até um quadro com ele. Emoldurei uma charge que ganhei de outro grande amigo.
No quarto do pré-adolescente da casa, há pistas de que existe um indivíduo diferente de mim, e é o gosto dele que prevalece no quarto dele. Em comum, todos seguem regras básicas de organização, higiene e harmonia. No mais, é ter o luxo de abrir a porta da casa e sentir acolhimento, aconchego e paz. De onde só saímos quando vale a pena.