É admirável a relação afetiva que a nossa artista Rita Lee construiu durante 47 anos com o marido Roberto de Carvalho. Sempre citei como exemplo quando moravam em apartamentos separados, embora no mesmo prédio. Era porta com porta, mas cada um tinha seu canto. Eu achava aquilo fantástico. Juntos, mas com espaço próprio.

Com a morte dela, outros exemplos saltaram da minha memória. Um deles foi a entrevista a dois em que ele rebateu todos os defeitos que ela dizia que tinha.

“Como você pode gostar de mim? Sou tão esquisita”. E ele: “Quando você se declara esquisita, vejo original e genial”.

Ela dizia que não sabia cozinhar, e ele: “Não precisa cozinhar, eu cozinho para você”.

Ela dizia que já tinha usado drogas, e ele: “Merda acontece com todo mundo”.

Ela insistia em se diminuir, dizendo que era “sem peito e cinco anos mais velha que ele”. E ele lindamente respondeu: “Os peitos que amamentaram nossos três filhos! E mais velha não, mais antiga. E você sabe o quanto eu adoro antiguidades”.

Achei isso de um cuidado com as sombras que o outro carrega, não é mesmo? E eles não disseram isso na lua de mel, não. Naquela entrevista, estavam completando 44 anos de casados!

Ela sempre dava um jeito de ressaltar o amor que sentia por ele. Lembro dos shows, naquele momento de apresentar a banda. Ao referir-se ao guitarrista Roberto, era comum emendar: “O amor da minha vida”.

Na mesma semana em que a nossa Rita morreu, como se o amor estivesse no meu ar, fui atraída para uma postagem de uma querida amiga sobre outro exemplo de amor real. A comemoração de seus 25 anos de casada. Para celebrar, o casal e os filhos foram agradecer a Deus numa igreja e levaram uma folha de papel contendo todas as letras do alfabeto, simbolizando a inicial dos nomes de amigos e familiares que ajudaram os dois na pavimentação desta estrada sólida. Que lindo isso! Reconhecer que não caminhamos sem a ajuda dos anjos disfarçados de amigos e familiares.

Ainda na semana, um amigo me mostrou com olhos cheios de lágrimas os áudios que ele havia trocado com sua esposa, com quem é casado há 15 anos. Os áudios continham elogios mútuos e mensagens de força para a nova fase profissional dele. Ele me disse que jamais teria chegado aonde chegou na carreira sem o apoio dela no início da luta. Que quando ele estava quase à beira de uma depressão e prestes a pedir demissão após 17 anos de empresa, ela esteve ao lado dele, respeitando sua decisão e propondo que abaixassem o padrão de vida, caso decidisse pela demissão.

É nesta atmosfera de amor possível que podemos acreditar que existem muitas histórias reais de amor. Que o sonho de viver um amor não é reservado somente para as mulheres. Que existem homens que valorizam a companheira que tem, que reconhecem, agradecem e querem manter o que conquistaram. Que a lealdade fortalece o amor. E que “o amor vem de nós e demora”, como cantou a nossa Rita.❤️