Minha atual rotina de trabalho exige que eu acorde cedo, às 5h, para que às 5h45 já esteja pegando a estrada. A distância até o escritório é de cerca de 60km, o que leva aí uma hora dentro do ônibus da empresa. Durante algum tempo, eu resisti a esta rotina. Não gosto da ideia de sair sem falar com meu filho, no escuro, enquanto a cidade ainda dorme. Como é do meu perfil, em vez de apenas reclamar, busquei outras alternativas. Tentei ir dirigindo o meu próprio carro, o que me permitiu sair mais tarde, ouvir minha playlist preferida sem precisar de fone de ouvido e sentir a liberdade de escolha para parar onde quiser. E o melhor é que ainda dava tempo de deixar meu filho na escola antes, algo que eu sempre sinto enorme prazer em fazer. Tudo perfeito.
Como tudo na vida tem ganhos e perdas, com o foco voltado para o tráfego na estrada, sem poder cochilar ou ler um livro sentadinha na poltrona de um confortável ônibus, vi muitos riscos de acidentes, muitas imprudências por pessoas que, por alguma razão inconsciente de quem brincou de carrinho hot wheels ou não admitem estar em segundo lugar em nada, precisam ultrapassar o outro a qualquer custo, ainda que pela faixa contínua. O importante é chegar primeiro. Nessas horas, imagino que a pessoa está com alguém passando mal dentro do carro. O que mais poderia explicar uma ultrapassagem irresponsável numa estrada repleta de caminhões de carga?
Fato é que no período de um mês soube de três acidentes fatais no caminho que faço diariamente. Um deles me chocou mais, pois a motorista estava parada corretamente no “Pare e siga” devido a uma obra na estrada. O caminhão que vinha atrás dela não percebeu a (péssima) sinalização manual, não viu que ela estava parada e comprimiu seu carro no fundo do caminhão da frente. O carro virou uma sanfona. Ela não resistiu ao impacto violento e faleceu. Era uma professora de 42 anos que estava voltando do trabalho. Isso me fez pensar nos riscos que eu estava correndo não apenas por minha direção veicular, mas por não saber como os demais motoristas estavam dirigindo. Estariam com sono? Preocupados? Raivosos? Distraídos?
Como não podemos ser responsáveis pelos atos dos outros, resolvi não mais arriscar a vida que eu tanto prezo. Desisti de ir dirigindo e voltei para a rotina do ônibus às 5 da matina. Porém, adotei novo olhar para o cenário de cada dia. Em vez de resistir à situação, poluindo minha mente com as coisas que eu perco ao sair tão cedo, transferi para dentro do ônibus parte da minha rotina que eu poderia fazer em casa, como meditar e escrever ouvindo (com fone) música instrumental, algo impossível de se fazer dirigindo. Este texto, inclusive, foi escrito assim.
A mudança de olhar coincidiu com um livro que estou lendo do médico e professor Deepak Chopra que diz: “Afaste-se da atitude de que a sua vida consiste de escolhas boas e más que conferem ao seu destino um rumo invariável. Sua vida é produto da consciência. Cada escolha e cada etapa do desenvolvimento nascem dessa realidade”. É isso. Sempre haverá bons e maus resultados de todas as escolhas que fizermos. Tudo depende do ajuste do nosso olhar. No meu caso, ainda ganhei o bônus de ver o nascer do sol, ora laranja, ora lilás, na exuberante beleza do cerrado brasileiro.