Está desmotivado, pensando em desistir de um sonho, de um projeto, de uma ideia? Sugestão: acompanhe a rotina de um concurseiro e constate o sinônimo das palavras persistência, resiliência, disciplina, foco. Verás que mais que não fugir à luta, o bravo guerreiro busca as lutas, incessantemente. Não importa o lugar da prova, se é perto ou longe de onde mora, se tem dinheiro ou não para viajar, comer, dormir. É uma determinação parecida com a dos atletas. O concurseiro raiz sabe que meia horinha a mais numa noite, com um inocente choppinho, pode significar um ponto a menos na prova e milhares de pessoas à frente dele. Como o centésimo de segundo pode levar o nadador de uma seletiva à olimpíada, de uma semifinal para a final.
Aí está a diferença entre os obstinados e os que apenas desejam.
Os da primeira turma parecem ter o olho da águia, uma mira tão precisa no seu alvo que nada os desvia. Nem a pressão familiar por não estar presente naquele almoço imperdível, mas que ele perderá sem remorso, nem os olhares dos que creem que as tentativas são em vão. São tentados, provocados e até ridicularizados. Precisam estar firmes no propósito para não desistir.
Para resistir à tentação, o mestre dos mestres ensina: “Afaste-se de mim!”. Comando que usou ao ser tentado a ganhar o mundo em troca da desistência de sua missão. É o que deveríamos fazer frente às tentações ao vício, ao amor tóxico, aos amigos desleais. Precisamos nos afastar. O concurseiro segue à risca. Afastar-se não somente de pessoas que tentam puxar o sonho para trás, mas também dos próprios pensamentos sabotadores, aqueles que surgem para todos nós quando estamos próximos a conquistar o que queremos. Todo concurseiro deve ter dúvidas do tipo: E se o sacrifício for em vão? Se eu nunca for aprovado? Por que eu seria merecedor, se todos estão pedindo a mesma coisa para Deus? Vale mais aumentar a minha fé ou estudar mais? Mais do que quem? Do que aquele jovem que não precisa trabalhar, que é sustentado pelos pais, que não tem filhos e que pode passar o dia inteiro estudando? E eu que tenho que trabalhar e estudar, terei condições de passar? Será que isso é para mim?
Como afastar esses pensamentos?
Eles responderão: andando com quem tem o mesmo objetivo.
Muitos até estudam ao lado de outros candidatos nas famosas cabines de estudo. Não têm o conforto de um quarto, mas também não têm a cama, o rádio do vizinho, a obra do lado, alguém interrompendo com um lanchinho, a TV em volume alto. Passam o dia ali, sentados num espaço minúsculo, com fones de ouvidos e pessoas ao redor fazendo o mesmo. Até pessoas que disputam a mesma vaga. O que será que agrega mais? Tomar um café com quem tem a resposta de uma questão que caiu no certame anterior e que tirou muita gente do páreo, ou com quem vai dizer que você está estudando demais, que seria bom dormir um pouco? São escolhas.
A escolha da minha amiga foi ir todos os dias para a cabine de estudo. Todos os dias mesmo, sábado e domingo inclusive. Por vezes ela pediu para abrirem aos domingos para ela ficar lá e não ser contagiada pela alegria exagerada dos vizinhos no fim de semana. Não era a hora para a alegria externa, mas da alegria interna, aquela que brota no silêncio. A alegria que vem do mais íntimo lugar, algo que confirma que este é o caminho, que ignora as câimbras, a dor nas costas, nos braços, no pescoço.
Porém, tal como Sísifo que rola uma pedra gigante montanha acima por toda a eternidade, o concurseiro que não caiu em tentação, que se afastou do mal, que andou com quem tem os mesmos objetivos, que optou pelo silêncio produtivo em vez de ruídos vazios e que tem a certeza de estar em seu melhor preparo, tem ainda que enfrentar imprevistos como uma manifestação política absurdamente barulhenta ao lado do seu local de prova. Foi uma das maiores frustrações que minha amiga enfrentou. A pedra rolou montanha abaixo. Estariam certos os descrentes? Ela deveria desistir mesmo? Seria um sonho inatingível?
O barulho ensurdecedor das ruas não condizia com a paz da cabine de estudo. Não há quem se concentre com tanto barulho. E o emocional neste momento é o tentador sabotador. Menos uma chance. Choro, tristeza, sentimento de injustiça por quem permitiu aquela manifestação próxima aos locais de provas. Recursos para anulação do concurso, lamento pelo dinheiro de passagens e hospedagens. Seria a hora de parar?
Por alguns minutos, ela cogitou parar. Minutos. Minha amiga é do time dos obstinados. Como a águia que arranca suas velhas penas e deixa nascer as novas para voar mais alto, ela renasceu mais forte. Estudou mais ainda, e eu só conseguia admirá-la cada vez mais. Não sei ao certo quantos concursos ela fez; na casa das dezenas, talvez. Até que recebi a melhor notícia que poderia ter recebido ao final de um dia rotineiro.
– Amiga, tá dormindo?, perguntou ela por mensagem
– Quase. Preparando o alarme para amanhã, mas você chamando a essa hora deve ser sério. Aconteceu alguma coisa?
– Queria compartilhar contigo uma alegria…
– Contaaaaaaaaaaaaaaaaa
– Eu passei para o Tribunal de Justiça!!
!!!!!!!!!!! (mistura de choro, arrepio e gritos do lado de cá…)
Ela disse que estava sentindo uma felicidade tranquila, mais para gratidão do que para euforia. Deve ter passado um filme em sua mente. Tantas tentativas, tantas pessoas que prejudicaram e outras tantas que ajudaram. A vida como ela é. Dias de lutas, dias de glórias, diria Chorão. Começa agora uma nova história a ser contada por esta concursada capaz de mover montanhas.
Somos obstinados ou apenas desejamos?