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O filme sobre a vida do cantor Elton John trouxe à tona o que muita gente carrega no peito mas surpreende-se quando atesta que isso independe de sucesso financeiro e fama – a carência de afeto de pai e mãe.

Há quem não tenha gostado do filme, por mostrar um rocketman choroso, dependente de droga e sexo. Não casou com a expectativa sobre aquele homem de óculos coloridos e alto astral que estávamos acostumados a ver nos palcos. Isso frustrou alguns.

Mas a frustração maior deve ter sido a do Elton, desde a infância, quando ainda era Reginald. Uma vida rastejando por um segundo de atenção do pai e por um mergulho no olhar da mãe, que boiava na superfície da vida.

O filme arrasta por ‘long long time’ a fase da angústia, e daí a crítica de alguns, por esticar demais os momentos tristes. Mas na vida real o buraco do vazio afetivo demora mesmo para ser preenchido. Quem não conhece homens de ferro destruídos em sua intimidade, buscando a compensação na compulsão por compras, bebidas e festas? Sim, demora. Mas não deveria demorar.

É arriscado tentar compensar a carência com as pessoas erradas ou dispensando os projetos certos. Manter o que está incomodando, ferindo, porque nos foi ensinado que “devemos honrar pai e mãe” causa uma grande confusão.

Sabemos que devemos ser gratos pela permissão que pai e mãe nos deram para virmos a esta vida, mas poderíamos ser gratos por isso e só. Poderíamos tentar não querer receber mais do que isso, para não forçar o enquadramento na vida de famílias harmoniosas que não é a nossa. 
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Por outro lado, fingir que está tudo superado, que basta ir viver longe da família, não vai fazer a mágica acontecer e preencher o buraco. A primeira pessoa a oferecer um mísero afeto vai virar o salvador, como aconteceu com Elton e seu produtor. Será transferir uma dependência por outra e outra.

Se não há explicação clara para o desprezo do núcleo familiar, como no caso do Reginald, talvez o mais prudente seja fortalecer nossa consciência do que realmente somos, dos valores que carregamos, do que buscamos e do que merecemos.

Se não for possível fazer isso sozinho, que seja com um profissional preparado, que ajude a caminhar pela estrada que escolhermos, com família biológica ou não, por um propósito maior que jamais pode ser o de obter reconhecimento de quem quer que seja.

Ampliar o olhar ao redor pode ser mais produtivo do que fixar no que não agrega amor. No meio da família fria do rocketman, existia uma acolhedora avó que o incentivou ao estudo do piano. Existia um amigo que o lembrava que “ele só precisava ser ele mesmo” e que declarou sua amizade na letra de Your Song: “Quão maravilhosa a vida é, enquanto você está no mundo”.

E antes de qualquer pessoa ao nosso lado, podemos aprender a abraçar primeiro a criança ferida que carregamos. Abraçar, acolher, aceitar. O que esperamos que os outros façam conosco podemos começar fazendo.

E, sim, tivemos instrumentos para virmos à vida, mas a permissão primeira vem de uma força maior, do criador de tudo. Estamos conectados a todos, não somente aos pais biológicos. Todos somos pontes. Se chegamos a destinos infelizes, não precisamos estagnar neles com culpas, frustrações e carências, quando há o mundo inteiro à disposição para novas reconexões.