Entre as barbaridades relatadas à TV Globo pelas mulheres vítimas de assédio sexual e estupro cometidos pelo ginecologista do interior do Ceará, o depoimento de uma delas chama a atenção pela percepção do estrago que o ato causou na sua forma de viver.

Para demonstrar sua tragédia pessoal, ela disse: “Eu era uma pessoa que achava graça de tudo. Hoje, ninguém me vê sorrindo mais”.

Com seu termômetro de alegria, ela sabe que sua vida piorou porque deixou de “achar graça de tudo”.

É que a alegria faz toda a diferença na vida de alguém. Tanto que neurocientistas e físicos quânticos indicam filmes de comédia para os dias de melancolia.

Comprovaram que, ainda que seja uma alegria previsível, a de um filme feito para fazer rir, o cérebro não distingue alegria real ou encenada e reage em poucos segundos.

Ao passar do estado negativo para o positivo, os cientistas constataram a teoria quântica de que o positivo atrai positivo. E, antes mesmo de terminar o filme, a melancolia já terá ido passear noutro corpo.

Por outro lado, existe um efeito ruim aos que são intrínsecamente alegres. A estes não é permitido nem mesmo cansaço ou quietude sem razão. Eles têm a obrigação de estar sempre alegres, e são cobrados quando não estão.

Esta vítima que via graça em tudo não só deve ser cobrada constantemente por sua mudança do jeito de ser, como ainda tem que abafar o motivo sórdido que a fez mudar. 

O fato é que vamos perdendo o direito de sermos alegres quando e o quanto quisermos. No trabalho, por exemplo, se o sujeito não trabalhar na Google ou com stand up, trabalhar rindo pode parecer irresponsabilidade.

Nos rituais religiosos, onde o objetivo é conectar-se ao Criador, vemos semblantes sérios, talvez concentrados, mas não muito alegres.

Quem fazia diferente era o filósofo indiano Osho. Ele pedia para seus grupos espiritualizados formarem um círculo e, com olhos fechados, dançarem livremente.

Sugeria que balançassem os braços estendidos ao lado do corpo e que só parassem quando cansassem. Em minutos, o semblante das pessoas já estava alterado, com o riso espontâneo.

Este é o poder ancestral da dança sem compromisso, puxando a alegria das entranhas da nossa essência.

Podemos observar o efeito deste poder nas crianças pequenas, ainda sem controle dos movimentos.

Coloque uma música alegre e permita com que a criança dance livremente. Observe como ela mexerá braços, cabeça, pernas e experimentará rodopios. Tudo sem medo de estar bonito ou feio. Somente pela alegria de expressar-se.

São esses pequenos seres humanos que têm o que ensinar aos adultos embrutecidos.

E se as crianças gargalham das graças mais bobas, se dançam sem vergonha e se é delas o reino dos céus, com que autoridade alguém tira a alegria infantil que está em todos nós?

Com que autoridade um médico tira a alegria de sua paciente ao abusar de sua inocência? E quem há de medir o vazio triste que restou? Quem há de devolver o que não se mede?

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