Imagine reencontrar um ex-amor 60 anos depois e ele confessar que nunca deixou de amar você. Foi o que aconteceu com uma simpática senhora com 75 anos de idade.

Ao relembrar essa história, ela contou, aos risos, que o namoro não era “como os de hoje”. Eles conversavam na praça, dançavam nos bailinhos, sem maiores avanços.

Ela não demonstrava tanta paixão por ele. Era o tipo de relação que se confunde com amizade, tamanha fluidez entre os dois. Sem brigas por ciúme ou coisas do gênero.

Embora tão jovens, ele sempre falava em casamento com ela, que, por sua vez, aos 16 anos de idade, não queria pensar naquilo com ele e nem com ninguém.

Até que o grande amor que ele dizia sentir foi posto à prova.

Um rico senhor fazendeiro, pai de uma jovem que estava grávida, ofereceu o patrimônio da família para o rapaz administrar e tomar posse. Em troca, deveria casar com sua filha e assumir a paternidade da criança.

Sem pensar duas vezes no amor da praça, ele aceitou a proposta e não houve mais convite para bailinho. A dança do rapaz passou a ser entre um hectare e outro da plantação de café na fazenda da noiva.

Não houve sequer despedida da namorada. A adolescente soube por terceiros que ele estava casado.

Mesmo sem estar tão apaixonada assim, lamentou pela desconsideração. Seguiu sua vida com o registro na memória do primeiro ensinamento sobre falsas declarações de amor. Foi morar noutro Estado e nunca mais fizeram contato.

Sessenta anos depois, ambos viúvos, uma causa comum às famílias dos dois fez com que voltassem a ter notícias um do outro. Ele conseguiu o telefone dela e tomou coragem para desabafar tudo o que estava escondido nos escombros da consciência.

Contou o porquê de ter sumido: faltou-lhe coragem para confessar o que estaria prestes a fazer. Falar em voz alta que casaria por interesse financeiro não deve ser lá muito digno de ouvir de si próprio.

Com olhos fixos no alto e balançando a cabeça, ela contou que sentiu um grande susto ao saber a verdade. Passou a vida inteira acreditando que o ex-namorado havia se apaixonado loucamente por outra mulher, a ponto de não querer mais vê-la.

Quanto mais ele falava ao telefone, mais ela tinha a sensação de não reconhecer o homem da praça. Em suas memórias, só havia o jovem gentil, parceiro, bem humorado e que fazia muitos planos de casamento.

Mas ele não parou. Disse que analisou as alternativas de sua vida, à época, sem grandes perspectivas de crescimento numa cidade do interior. Não tinha estudo e nem pai rico. Mesma situação da então namorada. E decidiu que aquela seria a melhor opção para alcançar sua prosperidade.

É interessante como justificamos uma escolha torta. Temos dificuldade para dizer: errei. Ele quase culpou as estrelas por sua decisão. Acreditou que não teria outra chance para ser rico e que a melhor decisão seria casar sem amor.

Como se estivesse num confessionário, disse que durante os 60 anos “viveu bem” com sua esposa (sabe-se lá o que ele quis dizer com viver bem!). Que não tiveram filhos biológicos, mas que assumiu integralmente a filha adotiva.

Quando ela já estava quase se convencendo de que foi mesmo a melhor decisão, ele lembrou detalhes das conversas na praça e do último dia em que se encontraram. Lembrou até da roupa que ela estava vestida, o que não é tão comum de gravar na mente masculina.

Falaram sobre os caminhos dos amigos e familiares, da evolução da cidade e coisas banais. Parecia que só o banal havia permanecido.

Mas, como num romance de Nicholas Sparks, ele finalizou a confissão dizendo que nunca deixou de pensar nela. Imaginava se estaria casada, com filhos…

Após o passado a limpo, os dois viúvos olharam para os erros e acertos na vida e é provável que tenham se perguntado o que teria acontecido se ele tivesse recusado a proposta da riqueza instantânea.

  • Teriam saído da praça para o altar?
  • Ela teria se mudado para a “cidade grande”?
  • Estariam juntos e felizes?

Ninguém sabe as respostas, mas sabemos que nossas escolhas afetam diretamente a vida de outras pessoas. E também por isso precisamos ser responsáveis pelas decisões que tomamos.

Ao ouvir esta história de uma risonha vizinha que casou, teve filhos e uma vida tranquila, comparei seu modo de viver ao do senhor que viveu por 60 anos com olhos no retrovisor.

Por mais que ele tenha seguido com os negócios do sogro, sido digno com a filha e com a enfermidade da esposa, caminhou durante décadas com um pequeno espinho no calcanhar.

Assim como o espinho pode tornar-se parte da pele, é comum vermos relações guiadas pelo comodismo por anos e anos. Talvez, confira seriedade contabilizar dez anos  de relação amorosa. Como “jogar fora”, então, 20, 30, 60 anos de união?

Mas será que permanecer por anos e anos com alguém pensando noutra pessoa, imaginando como teria sido se tivesse feito outra escolha, não é jogar fora possibilidades de vida mais digna para todos os envolvidos?

Histórias de segunda chance com amor do passado podem ser emocionantes, mas penso que é mais uma tentativa de consertar algum estrago do que construir algo novo de verdade.

Se for um reparo verdadeiro, até pode valer a pena, mas buscar no passado apenas uma companhia para evitar a solidão é consertar um erro com outro.

No caso deles, não houve retomada de relação, mas a conversa talvez tenha sido boa para os dois terem clareado esta parte turva da vida.

No livro “Quem me roubou de mim?”, do padre e filósofo Fábio de Mello, ele aborda situações em que as pessoas são sequestradas de suas identidades e sugere o enfrentamento com a verdade para que a vida volte aos trilhos autênticos.

Um dos trechos caberia bem no confessionário do viúvo dessa história:

“Não quero mais conviver com meu lado obscuro. E, por isso, ouso direcionar meus braços na direção da dose de honestidade que hoje me cabe. Hoje quero lhe confessar meu egoísmo. Quem sabe assim eu possa ainda que por um instante amar você de verdade.

Perdoe-me se meu amor chegou tarde demais, se meu querer bem é inoportuno e em hora errada. É que hoje eu quero lhe confessar meu desatino, meu segredo tão desconcertante: ao dizer que sinto falta de você eu sinto falta é de mim mesmo”.

Antes de encerrarem a ligação telefônica adiada por tantos anos, o silêncio acusou que não havia mais elo entre os dois, não havia mais nada a ser dito ou prometido. Só a sensação de alívio, seguida de um tchau atrasado, porém necessário e definitivo.

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