As mulheres brasileiras estão exaustas. Compraram o rótulo equivocado de guerreira, como se um bom guerreiro lutasse sozinho, sem recuar e descansar para traçar a melhor estratégia no retorno à batalha.

É tanta preocupação que a mulher vem absorvendo neste ano de pandemia que não tem vitamina D que mantenha sua imunidade.

O gasto tremendo de energia em torno da proteção aos pais e filhos, das aulas online, da higienização da casa e alimentação, da incerteza do trabalho, do dinheiro e do medo invisível do contágio consomem seu organismo diariamente, matando lentamente sua alegria.

Conheço uma mulher de cerca de 40 anos que tem cinco irmãos, homens e adultos. Mas só ela, que é casada e tem duas filhas, tomou para si os cuidados com o pai com Alzheimer nesta pandemia.

Só ela abre mão dos domingos em seu núcleo familiar para passar o dia limpando a casa dos pais, que moram sozinhos, preparando a comida da semana para deixar tudo organizado para eles.

Só ela passa na casa dos pais todos os dias, compra os remédios e discute com a mãe sobre o protecionismo a um de seus irmãos, de 42 anos, que não trabalha e leva seus dias bebendo com os “amigos”.

A mãe, que gasta parte de sua aposentadoria minguada sustentando este filho quarentão, acaba o mês sem ter o dinheiro para comprar os remédios para o marido de 82 anos e as necessidades básicas do casal. E aí, quem acaba comprando? Bingo. A filha que anda certinha, na linha, carregando o mundo nas costas.

Como prêmio aos pais, este filho quarentão apareceu com a namorada grávida. E, provavelmente, todos serão sustentados pelo casal de aposentados.

Percebe como é preciso eliminar este condicionamento que a mulher comprou, segundo o qual ela tem que resolver tudo?

Esta idosa chega à aposentadoria com o marido doente e, em vez de viver seus dias com tranquilidade, sente-se obrigada a cuidar do filho quarentão e do neto que virá. Por sua vez, a filha sente-se na obrigação de cuidar sozinha dos pais, mesmo tendo cinco irmãos homens com quem deveria dividir essa carga.

Para agravar a situação, os dois idosos contraíram, ao mesmo tempo, a Covid. Nenhum irmão apareceu para cuidar. E a filha segue providenciando e resmungando. Não reúne todos e delega as funções para cada um, ainda que fossem colaborações financeiras para a contratação de uma cuidadora.

Todos os irmãos seguem com suas vidas, como se nada estivesse acontecendo, enquanto só o casamento dela está fragilizado por sua ausência.

Lá pelas 21h, depois que ela encerrou a rotina da própria casa, pois não tem o suporte de uma empregada doméstica, em vez de dar uma parada estratégica para se distrair com a família, ela usa o tempo que resta antes de dormir para concluir pendências do trabalho que levou para casa. Enquanto isso, marido e filhas estão vendo séries, cada um na sua TV, claro.

Com tanta pressão diária, não precisou mais que alguns minutos de conversa com esta mulher, mais do que um olhar demorado nos seus olhos e algumas simples perguntas para que ela desabasse e chorasse no meio de uma manhã comum.

Por que você está assumindo a responsabilidade por todos?

– Se eu não fizer, não tem quem faça

– Já pediu abertamente?

– Não vai adiantar. Eles sabem de tudo, se não ajudam é porque não querem

– E você quer fazer sozinha?

– É minha obrigação cuidar dos meus pais…Mas acabo descontando o cansaço na minha família que não merece…(chorou)

Está justo com o seu casamento?

– Não…Meu marido é bom demais para mim. Me chama para caminhar com ele e eu nunca vou, nunca tenho tempo para ele. O que me irrita ainda mais é ver minha mãe cobrindo os erros do meu irmão…

– Será que tem alguém querendo compensar alguma coisa?

– Já pensei nisso. Que minha mãe quer compensar a ausência que teve na vida do meu irmão, que é do primeiro casamento dela…

– Foram escolhas suas?

– Não…

– Será que você veio ao mundo para solucionar os problemas de todos?

–  E meus primos e tios ainda acham que estou errada por criticar meu irmão…

– Tente fazer diferente, converse com eles e peça ajuda.

– Eu não quero contato com nenhum parente mais. Já saí do grupo de WhatsApp da família.

– Está bem, você é quem sabe…

Perceba que em nenhuma resposta ela afirmou que queria esta situação. Que era uma escolha consciente e bem resolvida. Porque se assim fosse, estaria tudo certo.

As atitudes dela estão impregnadas de culpas, anulações e obrigações. Nem mesmo chorar, ela fez sem culpa. Quanto mais ela chorava, mais pedia desculpas por estar chorando…

É que a mulher também perdeu o direito de chorar.

Aprendeu a engolir o choro no trabalho para não demonstrar fraqueza em comparação ao homem. E essa dureza foi levada para o dia a dia.

Como uma guerreira equivocada, ela enxugou as lágrimas e continuou a fazer tudo exatamente igual. A única atitude radical, ao seu ver, foi sair do grupo de WhatsApp da família. Vingança do tempo moderno. Sair do grupo virtual da família.

O fato é que não precisamos desta bandeira de guerreira que dá conta de tudo. Enquanto a própria mulher continuar se orgulhando deste estereótipo, iludindo-se de que é superior ao homem porque faz dez coisas ao mesmo tempo, a vida não fluirá com facilidade para ela.

A mulher está brigando com a própria essência e  sente-se orgulhosa por chegar ao fim do dia esgotada. Isso não é cor-de-rosa. É sério e adoece. Não aceitemos.

No início da revolução pelo espaço da mulher no trabalho, adotamos a imagem da mulher brigona, que bate na mesa, que esbraveja e enfrenta homens. Isso pode ter sido necessário naquele momento de choque. Em toda revolução, há quem abra o caminho para quem vem depois. Mas não é preciso eternizar padrões, pois o conhecimento sobre o funcionamento da mente foi ampliado. O quadro atual de esgotamento feminino mostra que a luta desta forma não está saudável.

Há modelos familiares em que os afazeres da casa são divididos, mas a mulher precisa incorporar isso no seu dia a dia para não negar a necessidade de ajuda ou sentir-se devedora a cada atitude de cooperação.

Se por anos a mulher riu do homem distraído, incapaz de encontrar uma meia no guarda-roupas, e que, portanto, precisava dela para tudo, ele continua com suas válvulas de escape semanais, entre a cerveja e o futebol. Tudo como sempre foi.

Enquanto isso, as mulheres vão provocando seu próprio desequilíbrio hormonal pelo excesso de estresse e alterando negativamente o seu entorno com irritação e ansiedade.

Não precisamos provar que somos boas em fazer dez coisas ao mesmo tempo. Façamos o que estiver ao nosso alcance e se concentrando em uma coisa de cada vez. Se este é o perfil do homem distraído, reconheçamos que ele está sabendo viver melhor.

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