Certos agnósticos são potenciais crentes. Querem crer em Deus, só não conseguem acreditar em algo inexplicável.

Dia desses, conversei com um agnóstico dos mais engraçados.

Sim, porque existem os raivosos.

Talvez não seja nem raiva de Jesus ou Buda, mas dos “tolos” que acreditam no que, para eles, não existe.

Ou talvez até sintam que existe uma força maior, mas seria atestado de pouca inteligência admiti-la, por não conseguirem defini-la.

Mas será mesmo preciso definir tudo?

  • A paleta de cores ao amanhecer…
  • O mar abraçando o rio…
  • O coração bombeando 70 mil litros do seu sangue todos os dias…

Nessas horas, as perguntas mais simples podem ajudar a confundir. Tipo as da música “O maior pintor do mundo” que diz:

“Quem pintou o mundo?

Quem escolheu a cor?

Fez o sol amarelo,

Pôs o verde na floresta

e o vermelho em uma flor?”

Conheci esta canção por acaso, quando tentei aprender canto numa igreja evangélica sem saber que seriam apenas músicas religiosas.

Na minha cabecinha avoada, achei casual o fato de as aulas serem numa igreja.

Foi uma amiga evangélica quem me atraiu.

Sabendo que não tenho religião, pois sigo a doutrina espírita, e que gostaria de saber cantar (aqueles sonhos que guardamos na caixinha de segredos), ela lançou sua isca por meio do curso na igreja que frequenta.

E lá fui eu, feliz da vida, com minha caixinha invisível.

No primeiro dia, a professora perguntou para os 20 alunos qual cantor(a) de nossa preferência para aprendermos uma de suas canções.

Como eu estava sentada na primeira cadeira, fui a primeira a responder, sem medo de desafinar, que minha cantora predileta era Marisa Monte.

A professora congelou seu olhar em minha direção.

Falou nada.

Nenhuma expressão.

Neste instante, até duvidei do preparo desta professora. Como pode ensinar MPB se não conhece Marisa Monte?

À proporção que as respostas saltavam as cadeiras, eu fui ficando envergonhada.

–  Aline Barros!

–  Fernandinho!

–  Fernanda Brum!

A cada citação, a professora vibrava mais.

–  Maravilhosa!

–  Voz linda!

–  Ótimo gosto!

Ao final da rodada, ela disse que nossa apresentação no coral da igreja seria a mais emocionante de todos os tempos.

Coral?

Igreja?

Percebi que o sonho voltaria para a caixinha.

Não visualizei minha participação no coral da igreja cantando “Já sei namorar, já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar”.

Mas aproveitei o que pude nas três aulas que fiz. Sempre podemos aprender com o cotidiano.

Gostei de aprender técnicas de respiração, por exemplo.

Foi a primeira vez que ouvi falar que nossa respiração deve ser pelo abdômen, como fazem os bebês.

E também de aprender a canção do pastor Lucas para provocar, liricamente, o meu amigo sobre o maior pintor do mundo.

Mas, provocações à parte, admiro gente como ele que não aceita modelos de terceiros.

Durante 30 anos, achou que tinha a mesma crença de sua numerosa família católica.

Cumprira os rituais das missas todos os domingos, casou-se na igreja e até fez curso de casal com Cristo.

Não sabe precisar como a chave virou, mas é libertador quando enxergamos que a crença que carregamos por toda a vida era apenas repetição do que nos fora ensinado, não uma escolha consciente.

Sobre este hiato na vida, o livro Crença, dúvida e fanatismo. É essencial ter algo em acreditar?, do filósofo indiano Osho, diz o seguinte:

“A busca é um risco. É mover-se rumo ao desconhecido. Não se sabe o que vai acontecer.

A pessoa deixa tudo aquilo com que estava acostumada e com o que se sentia à vontade e se move na direção do desconhecido, nem mesmo perfeitamente certa de que há alguma coisa na outra margem, ou se há sequer outra margem.

Então, as pessoas se apegam ao teísmo, ou os intelectuais se apegam ao ateísmo. Mas ambos são fugas da dúvida. E fugir da dúvida é fugir da investigação.

A dúvida é apenas uma investigação, não é sua inimiga. É simplesmente uma interrogação dentro de você que o prepara para investigar.

A menos que você duvide, não poderá descobrir. A dúvida é sua amiga”.

Ele diz ainda:

“A indagação religiosa não é algo que possa ser respondido por outra pessoa.

Ninguém pode amar em nome do outro. A pessoa tem de viver a sua vida e tem de procurar e buscar as questões fundamentais da vida.

E, a menos que ela mesmo descubra, não haverá alegria nem êxtase.

Se Deus for simplesmente dado a ela, já pronto, é inútil. Mas é assim que vem sendo feito”. 

Osho também alerta para a doutrinação religiosa nas crianças:

“Antes de a criança se tornar capaz de fazer perguntas, ela já está recebendo respostas.

Vocês veem a estupidez disso?

A menos que ela formule a sua própria pergunta, como pode obter sua própria resposta?

A busca tem de ser sinceramente dela.

Não pode ser emprestada, não pode ser herdada”.

Penso que podemos tentar um caminho do meio aí, para estimular as perguntas nas crianças, acompanhando suas angústias e confusões.

Meu filho, com dez anos de idade, teve uma reação de rebeldia no curso da catequese.

Embora eu não seja mais católica, prefiro que ele conheça os caminhos para poder escolher sua crença.  Daí a razão de estar estudando para sua primeira comunhão.

Como tarefa de casa, tinha que assistir a um vídeo em que o padre falava sobre céu e inferno.

No meio do vídeo, ele afastou a cadeira com rispidez e correu para mim, bem contrariado:

– Mãe, eu detesto este padre!

– Filho, o que aconteceu?, respondi assustada

– Ele disse que só os católicos vão para o céu! Como ele pode dizer uma coisa dessas? E os outros, vão para onde? Eu não quero mais ver este padre!

Fiquei alguns segundos quieta antes de responder, para não me arrepender depois.

Com muito jeito, expliquei:

– Filho, nunca soube que Jesus disse o que este padre afirmou. Jesus dizia para a gente amar e ajudar as pessoas. Eu prefiro seguir só o que Jesus ensinou. E você?

Ele foi acalmando-se.

Continuei explicando que não concordava com a forma como aquele padre defendeu a religião dele, mas que existem outros padres católicos que respeitam outras religiões e até os que não têm religião.

Que ele respondesse às perguntas da atividade e guardasse em sua memória só o que o padre disse sobre o amor.

Ele saiu para brincar e fiquei pensando nesta afirmação inconsequente feita por um padre, alguém que ocupa posição de poder sobre uma criança e que cuja “verdade absoluta” pode contribuir para preconceitos e ódios.

Se aquele padre conversasse com meu amigo, teria que convencê-lo, primeiro, que existe este céu-casa.

Na pandemia, diante da ameaça de perder seus entes mais queridos, ele tentou voltar a rezar o Pai Nosso, mas a dúvida é mais forte que a vontade.

Eu tento rezar, mas tenho dificuldade logo no início. Que Pai é este? Que está no céu. Onde é este céu?

Quanto mais eu ria do jeito de ele duvidar, mais ele exagerava:

E a parte “Perdoar nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido”? 

Não tem condições de eu rezar contra mim!

Tem ofensa que eu não perdoo de jeito nenhum. Vou pedir pra Deus não me perdoar? Não dá.

Certamente, Deus não se importará se ele não o chamar de Pai. Tem gente que o chama de Todo, de Universo, de Criador. Não seremos menores do que somos se nos chamarem por outro nome.

Mas na parte do perdoar as ofensas, aí não vejo negociação.

Se não for pela crença espiritual, que seja pela energia negativa que atraímos com nossos pensamentos de mágoa, de raiva.

Sugeri para ele resolver essas ofensas e deixar o caminho livre para a ação do Deus-Todo-Criador-Universo-Pai.

Por enquanto, ele prefere pular esta parte da reza para a mais fácil e pedir: Livrai-nos do mal.

Depois, toma um remédio para dormir e dorme.

Amanhã será outro dia, igualmente colorido.

Creia ele ou não.

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IDT em áudio

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IDT indica

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Citado no Texto

O maior pintor do mundo (pr. Lucas)