A internet vem jogar luz ao tabu de que toda mãe ama seus filhos. Milhares de filhas participam de grupos nas redes sociais e revelam atrocidades cometidas por mães narcisistas tóxicas, seres que amam somente a si mesmos.

Diferente de um egoísta que deseja vantagens nas situações, o narcisista vai além e manipula o outro o tempo todo para atingir seus mais pífios objetivos. Confunde, maltrata, anula e desmerece os sentimentos do outro.

Pelo que dizem os estudiosos no assunto, o narcisista tóxico tem sempre uma pessoa próxima para usá-la no seu jogo de dominação. Ele tem sempre razão, é sempre a vítima, não enxerga os desejos do outro e está nem aí para as histórias de sofrimento dos filhos. É capaz de ouvi-las com atenção apenas para passar adiante, distorcendo a história e desconsiderando a exposição da vítima. Tudo para despertar para si atenção da plateia.

O mais cruel no caso das filhas de mães narcisistas é que é difícil para elas enxergarem o transtorno, pois aprenderam que toda mãe ocupa um pedestal irretocável e toda filha deve adorá-la. Também não é fácil receber ajuda, pois a maioria das pessoas não vai acreditar que aquela mãe bondosa, geralmente envolvida com ações sociais, é capaz de desmerecer suas conquistas, de tomar partido de quem lhe faça mal ou de competir com você, disputando até a atenção de suas amigas e seus namorados.

A filha passa a vida tentando acertar com esta mãe, tentando receber “migalhas dormidas do seu pão”, como diria Cazuza, e entra no jogo dela, fazendo suas vontades, concordando com suas opiniões e criticando os outros. É até provável que na vida adulta continue anulando seus desejos e calando sua voz no trabalho e no relacionamento amoroso.

Foi assim com uma simpática pedagoga.

Até conseguir firmar-se em seu trabalho, ela passou décadas de sua vida culpando-se por não fazer nada certo. Passou a infância toda ouvindo sua mãe e sua avó compará-la a irmã mais nova, mais inteligente, mais bonita e mais esperta do que ela.

Aos 17 anos de idade, ela já tinha um filho com dois anos, e viu seu menino ser arrancado de seus braços por sua mãe e ser entregue à sua sogra. As duas  combinaram de tirar a criança de seus cuidados, sob a justificativa de que a jovem não seria capaz de educá-lo bem.

Esta mulher viu o seu filho ir embora, assim como, aos 12 anos de idade, teve que ver a mãe sair de casa sem a menor explicação, nem para ela ou para a irmã, de 8. As duas ficaram na calçada esperando a mãe voltar, mas tiveram que ficar com um pai mulherengo e a avó cruel.

Após 40 anos de confusão mental, entre entender qual é sua essência, quais suas máscaras de defesa e o que julga merecer da vida, ela está livre das três mulheres, mas desenvolveu transtornos psíquicos controlados por remédios e terapia.

O caso dela não é raro. No Brasil, existem vários grupos nas redes sociais formados por filhas de mães narcisistas. Grupos com 20, 30 mil participantes. E cada depoimento é mais assustador do que outro:

“Aos seis anos de idade, minha mãe largou minha mão numa feira de rua movimentada e ficou observando de longe meu pânico ao procurá-la por toda a parte”, contou uma vítima.  

E outra:Quando meu padrasto morreu e ficamos só nos duas, eu achava que ficaríamos mais unidas, mas o ódio dela aumentou na minha direção. Dizia que meu gênio era ruim, que ninguém aguentaria conviver comigo e me afastava dos amigos. Hoje eu sei que ele era o bode expiatório dela e, na falta dele, eu passei a ser este bode”.

Também há relatos nas redes de pequenas crueldades diárias. Que de tão pequenas, as filhas até acham que é bobeira de uma mãe zelosa. Não percebem que fazem parte da trama da dominadora.

Em casos graves de narcisistas, os terapeutas orientam para o contato zero. E é um assunto muito delicado. Como deixar de ter contato com a própria mãe? Além de a filha carregar mais uma culpa, o selo de mãe abandonada pela filha ingrata seria um reforço para a vitimização da narcisista. Como agir, então?

Os relatos de quem conseguiu dar a volta por cima atestam que é preciso buscar apoio. Quem não pode ter acesso a terapeutas, um início pode ser via grupos fechados no Facebook, por exemplo. Deve causar um imenso alívio saber que você não é culpada pelo desprezo de sua mãe. Que você não faz tudo errado e não precisa mais compensar seus defeitos tentando ser perfeita em tudo.

Mas não é passe de mágica. Até as fichas caírem, as filhas acumularam medos, desconfianças, e podem até mesmo ter desenvolvido traços narcisistas também. Enxergar é o primeiro (e grande) passo. A partir daí, pode-se fazer como a irmã da pedagoga, que preferiu seguir a vida com contato zero com a mãe. Já a personagem central desta história não conseguiu afastar-se de vez da mãe, embora vivam em casas separadas. Mas, encontrou um amor saudável e construiu sua nova família.

As irmãs seguem com acompanhamento psicológico, pois ambas decidiram interromper o ciclo doentio e serem mães saudáveis para seus filhos. Mães que amam agem assim.

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