Um ensinamento cristão que eu tenho muita dificuldade em seguir é “Não julgueis para não serdes julgado”.

Meu consolo é que Jesus Cristo não daria um comando desse apenas para mim. Não sou tão presunçosa a ponto de achar que mereço inspirar os livros espiritualistas do mundo inteiro. Muitos humanos devem ter vindo com este defeito de fábrica e saem por aí apontando o indicador para o outro e o polegar para si.

Pior ainda quando julgamos duas vezes a mesma situação. Pré-julgamos o que julgaremos. Vivenciamos o fato por antecipação, criando imagens e, em geral, falando negativamente sobre ele. Como o que aconteceu com um amigo, às vésperas do dia dos namorados.

Ele me ligou indignado, explicando que a administração de seu condomínio resolvera fazer na noite do dia 12 de junho uma apresentação musical com saxofonista na área de lazer. O show seria em frente à varanda de seu apartamento localizado no andar térreo.

À primeira vista, seria uma ótima notícia em tempos de pandemia, quando a maioria dos condôminos estava confinada em seus apartamentos.

Porém, neste mesmo condomínio, durante 60 noites ininterruptas, o saxofonista vinha apresentando seu show na área de lazer para promover bem estar aos moradores isolados socialmente.

Por melhor que tenha sido sua iniciativa voluntária e sem remuneração, as músicas que ele escolhia era como uma preparação para a despedida da vida. “Músicas tristes”, resumiu meu amigo. Mas, pelo menos, era breve a apresentação. Duas músicas no máximo. Diferente da proposta para o dia dos namorados, que seria a de uma noite especial com uma hora de sax. Uma tortura para o agoniado morador do térreo.

Ele havia planejado comemorar o dia especial com seu amor ao som das canções que tinham a ver com eles. Já tinham até conseguido escolher um show entre as 920 lives anunciadas.

A ocasião teria direito a um jantar preparado por ele, servido na varanda para terem a sensação de um jantar fora de casa.

Só não contavam com a astúcia do saxofonista tristonho…

Meu amigo ficou beeeem bravo.

Arquitetou o plano da vingança em que cogitou registrar o caso no livro do condomínio. Alegaria que os moradores deveriam ter sido consultados sobre o presente (de grego) avisado somente um dia antes da festa.

Eu dei total razão ao plano maléfico. Se existem mais de mil pessoas numa comunidade, uma única cabeça, neste caso a do síndico, não poderia decidir sozinha sobre uma ação comum a todos.

Ele acabou não registrando nada. Resolveu abafar o caso e a casa. Fechou a janela da varanda para ouvir o mínimo possível do show que vinha de fora, aumentou o volume da live na TV e ficaram na sala mesmo.

Minutos depois de iniciada a apresentação externa, recebo dele uma mensagem de áudio.

Ao ver seu nome na caixa de entrada, preparei meu discurso de consolo: o importante é que ele estava com seu amor ao lado.

Mas o que ouvi foi uma voz mansa, confessando vergonha do seu plano da vingança que incluía torcer para o saxofonista cair na piscina.

Por que a vergonha?

Simplesmente, o músico que tocou no dia dos namorados não foi o mesmo da trilha diária da tristeza! Foi outro saxofonista e ainda estava acompanhado de um pianista.

Ao iniciarem o show com Another day in Paradise, do Phil Collins, meu amigo baixou o som da live e abriu o janelão da varanda para apurar a investigação.

Ao redor da piscina, a iluminação verde destacava as plantas e a vermelha preenchia os demais espaços.

Os dois músicos passearam por hits atuais adaptados para o sax, sem deixar de homenagear os românticos brasileiros, como Djavan e sua eterna Oceano.

Imediatamente, a programação foi alterada no apartamento do meu amigo.

A TV foi desligada e a mesa deslocada para o camarote vip na varanda, com direito a vinho, brindes e selfies felizes.

Na legenda da foto enviada com o áudio, o arrependimento confesso: “Com vinho e língua mordida”.

Ah, como uma simples conversa na administração teria poupado tanta liberação de cortisol no sangue… E eu poderia ter dado essa sugestão, em vez de insuflar o pior na mente dele.

Mas é isso que fazemos rotineiramente. Pré-julgamos. Imaginamos uma situação e ela tem que caber no nosso plano fantasioso. De preferência, com tintas vermelhas da raiva.

Gostamos de alimentar um drama, um suspense, uma tragédia. Raramente pré-julgamos para a comédia, imaginando o que seria divertido.

Para tentarmos mudar, vale considerar o que afirmam os estudiosos sobre energia do nosso corpo: as emoções que alimentamos determinam a qualidade do nosso dia, da nossa vida.

Uma prova está na tabela de emoções desenvolvida pelo médico psiquiatra americano, David Hawkins.

Tabela das emoções criada por David Hawkins

Segundo Hawkins, a menor vibração que podemos emitir é quando sentimos vergonha (20hz), a frequência de quando meu amigo passou o áudio do arrependimento.

Combinando esta tabela com os estudos da física quântica que provam que energia emitida atrai energia semelhante, raiva atrai raiva. Daí por que vamos aumentando a raiva quando falamos nela. E daí a explicação para a vontade de jogar o músico na piscina.

Assim, aos que achavam que energia é algo subjetivo, agora têm a matemática para brincar de somar. Ao sentirmos a frequência baixa da raiva (150), bastaria aceitarmos o fato para a nossa energia saltar para 350 hz.

Avisaram em cima da hora que haverá um show de sax, de graça, em frente à sua varanda, no dia dos namorados, mas você não gosta de sax e não pode sair de casa para escapar do programa?

Brindemos ao amor!

Além de turbinarmos nossa energia, vamos atrair coisas melhores: quem sabe até um show do próprio Phill Colins em uma piscina deste mundo…

Se não temos o controle do que vai acontecer, não faz sentido o pré-julgamento, antecipar o final das histórias da vida.

O mais sensato seria viver o momento, deixar que ele se desdobre, que surpreenda. É capaz de mordermos a língua e pedirmos bis do que não queríamos.