Conheci a expressão “estado de fluxo” no livro “Você aguenta ser feliz?”, escrito pelo publicitário Nizan Guanaes e o psiquiatra Arthur Guerra. O psiquiatra, atleta amador de triatlo, costuma indicar a corrida para seus pacientes com ansiedade, depressão, ou que estejam com hábitos desregrados pelo uso do álcool e de outras drogas. Em vez de remédios, ele prefere prescrever o triatlo, a junção da corrida, do nado e do ciclismo. Foi a proposta que fez ao Nizan e que mudou radicalmente a vida deste profissional premiado no mundo por suas criações.
“Quando você ganha tudo no Festival Internacional de Publicidade de Cannes, como eu ganhei, e, em vez de celebrar a vitória, sofre por antecipação pensando se vai ganhar tudo de novo na próxima edição, aí, meu amigo, você tem um problema”, conta Nizan no livro. “Minha agência foi eleita a melhor do mundo no festival em 1997 e 1998. Só que eu nunca fui feliz em Cannes. Eu ficava alegrinho, mas não feliz. Odiava Cannes porque eu não tinha inteligência emocional para aguentar a pressão”.
A mudança de hábitos veio a partir da análise de Guerra sobre o ritmo de vida do publicitário: excesso de álcool, ir dormir de madrugada e muita ansiedade no trabalho. O diagnóstico do psiquiatra foi sem filtro: “Você tem uma vida tão bem-sucedida e tão pobre”. O impacto provocou o “sim” para a mudança de Guanaes, incluindo o que ele jamais cogitara praticar, o triatlo.
Os dois contam suas trajetórias depois do esporte, e Guerra usou a expressão flow ou “estado de fluxo” para explicar o que eles e os demais atletas sentem ao praticar este esporte. “Ficamos tão absorvidos pela ação que perdemos a noção do tempo, esforço ou dor, mesmo nos mantendo plenamente alertas e conscientes. Simplesmente fluímos”, conta.
Ele explica que este estado de fluxo é como entrar em uma espécie de estado meditativo e pode acontecer em qualquer atividade. “Pessoas que trabalham com o que gostam podem entrar em flow quando estão entregues, totalmente entretidas”, compara.
Eu lamento não ter lido este livro na época em que trabalhava com um colega que adorava rir de mim quando eu estava totalmente absorta escrevendo um texto. Numa pequena sala, com cerca de seis mesas, o comum era que o som das pessoas conversando ficasse insuportável. Principalmente às quartas-feiras, dia de futebol na TV, quando os ânimos ficavam acesos com cada um defendendo o seu time, ou na quinta quando o vencedor zoava o time perdedor. Sim, isso acontece nos escritórios, e que bom que acontece. É o recreio de gente grande. Eu, como não torço para nenhum time, continuava a escrever como se eles não existissem. Colocava meu fone com som de Ganesha para focar no texto e só parava com o ponto final.
Inevitavelmente, eles perguntavam alguma coisa para mim, e riam porque, óbvio, eu nem mexia a cabeça. E este colega sempre dizia: “Ih, ela já está no fantástico mundo de Bobby dela”.
Só mais tarde soube que “O fantástico mundo de Bobby” foi um desenho animado dos anos 90 com um menino que saía da realidade para viver sua criatividade. Considero, então, um elogio do colega, mesmo com o tom sarcástico.
Se fosse hoje, eu teria justificado ao nobre colega sobre a liberação de dopamina, hormônio da felicidade, liberado após alcançarmos um objetivo; sobre o prazer que dá quando estamos entregues a uma atividade que amamos fazer. No meu caso, escrever. Quando amo o tema do texto, então, tenho a sensação de que outra pessoa escreve por mim, que só obedeço a comandos, como se eu saísse do corpo. Não sou mais eu naquele momento. Não há como explicar, não há remuneração à altura da satisfação. Por isso, busco sempre aliar trabalho e sentido. Pelo prazer de sentir este estado de fluxo. Bobby e os atletas entenderão.
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CITADOS NO TEXTO
Desenho animado
Livro