Um presente para este final de 2021 é a série Get Back sobre os ensaios dos Beatles, em 1969, disponibilizada na última semana pela plataforma Disney+. Parece até que estamos vendo uma obra de ficção, que não são os músicos John, Paul, George e Ringo conversando naturalmente.

O que mais chamou minha atenção foi a cumplicidade entre eles. Principalmente, entre John e Paul. Impressionante como eles entreolhavam-se. Podiam estar no ensaio as esposas do Paul e do John, mas os olhos de um procuravam a aprovação do outro, que quase sempre vinha sob forma de riso. Uma energia que explica muita coisa, como o sucesso estrondoso deles pelo mundo.

O documentário do diretor Peter Jackson mostra o ensaio deles para o que seria um concerto ao vivo para a TV com a apresentação do álbum Let it be. Uma estratégia de marketing por estarem, por opção, há três anos sem fazer shows, apenas gravando discos.

Podemos trazer para as nossas realidades de trabalho o que eles viveram naquele mês: alcance de meta, trabalho em equipe, superação, recuo de estratégia, convergência de ideias, discussões, etc. O que poderíamos tentar encontrar é aquele tipo de olhar.

Eles tinham um mês para finalizar e/ou compor 14 canções que seriam apresentadas no concerto. Começaram a ensaiar sem nem saber onde seria a apresentação. A princípio, seria ali, onde estavam ensaiando, o que já deu motivo para desavenças devido à pouca acústica do local. Só sabiam que teria que ser com plateia e ao vivo.

Logo na primeira parte da série, é possível perceber que a banda não era liderada por John, mas por Paul. Assim como John, ele também sabia tocar vários instrumentos, com destaque para o baixo, mas era mais altivo, falava o que achava errado, e, algumas vezes, pelo menos nesta série, passou a impressão de ser intransigente.

Minha surpresa foi a de ver como um grupo com quatro músicos geniais deu tão certo. Vi claramente a liderança do Paul, mas vi a doçura e alegria do John, que não tinha problemas em fazer o que Paul pedia.

Pode parar de tocar enquanto conversamos sobre o arranjo?, pediu Paul incomodado.

Claro, Paul, reagiu, John, parando de dedilhar sua guitarra

Obrigado!

Veja quanta maturidade nos dois. Eles estavam decidindo o arranjo. John achava melhor decidir tocando, mas isso estava desconcentrando o Paul. Ele pediu, John entendeu. E Paul não esqueceu de agradecer. Simples assim.

Na composição de Let it be mais demonstrações de cumplicidade e parceria. Paul, ao piano; Ringo, bateria; John, guitarra e George, baixo. A música não avançava.

Não consigo acompanhar; eu acabo na errada quando vocês vão pro Fá, fez John sua autocrítica

Então, tire o Fá, resolveu o cúmplice Paul.

No ensaio de Get Back, mais exemplos. John com um bloquinho e caneta, enquanto Paul na guitarra. Eles buscavam a forma de entender a letra que estavam compondo.

–  Jo-Jo veio do Oeste?, sugere Paul, sem gostar do que cantou e lançando novas sugestões: Jo-Jo Boxton? Jo-Jo Pepper? Jo-Jo Brennan?, sem nenhum consentimento do John até então. Jo-Jo Jackson?

É!, respondeu Lennon, riscando seu caderno.

Porém, assim como na empresa, na família, entre amigos, numa banda também há ciumeira, egos feridos, inveja e tudo o mais. O que transparece na série é que a cumplicidade de John e Paul era tamanha que eles ignoravam os outros dois em alguns momentos da criação. O baterista Ringo não se incomodou naquele período, já o George…

Vamos almoçar?, alguém propôs ao final de mais um período de ensaio

–  Já é a hora do almoço?, outro respondeu

–  Acho que vou sair da banda agora, disparou George, assustando a todos

Quando?, perguntou John,  surpreso

–  Agora, reafirmou George

No retorno do almoço, a catarse. John remexe seu corpo na guitarra, Ringo toca bateria com toda sua força, Paul se dependura nos andaimes, e até Yoko, que até então vinha agindo como sombra colada em John, pega o microfone e começa a gritar. Depois, silêncio e tristeza em seus rostos. Os três Beatles se abraçam e decidem ir conversar com George para pedir que reconsidere sua decisão.

A série traz oito horas de ouro puro, tanto para os fãs dos Beatles quanto para quem apenas deseja saber como vivia a maior banda de rock de todos os tempos. Vale muito ver como estes quatro músicos de sucesso trabalhavam com talento, alegria, paixão pelo que faziam, obstinação por melhoria e admiração mútua.

A banda não durou para sempre, mas, como diz a canção Let it be: “Deixe estar. Quando todas as pessoas magoadas que vivem no mundo concordarem, não haverá tristeza”.