Em um dia ensolarado do Nordeste podemos estar numa calçada, esperando o filho ir buscar o carro no estacionamento, e meia hora depois estarmos numa ambulância com traumatismo craniano. Esta é a situação horrorosa vivida na família de uma amiga querida.
Sua irmã estava resolvendo coisas com o filho no centro da cidade. Terminaram o que tinham de fazer e combinaram de ela aguardá-lo na calçada enquanto ele pegaria o carro mais adiante. Minutos depois, um ônibus que faz o mesmo percurso todos os dias, naquele dia perdeu o controle da direção. Ao fazer a curva, avançou na calçada onde a mulher aguardava seu filho. O impacto foi tão forte que ela foi lançada a metros de distância, batendo a cabeça no chão, causando o traumatismo, além de ter atingido costelas, rins, pulmões e fígado.
A pergunta é: por quê?
Por que com esta mulher, que nada de mal faz a ninguém?
Por que com este motorista, que estava trabalhando e, certamente, não planejou causar um trauma deste na vida de alguém e nem em sua memória?
Por que com minha amiga, que tem o sorriso e a meiguice como características predominantes e que há pouco tempo perdeu sua outra irmã?
Por que com a mãe das irmãs?
Por que?
Estaria ela num ponto de risco naquela calçada?
Estaria ele cansado demais naquele dia?
Estaria algum passageiro causando alvoroço naquele ônibus?
São inúmeras possibilidades para respostas que, se forem descobertas, poderão evitar outros acidentes. Por enquanto, o que interessa à família dela é a recuperação de seus movimentos, o retorno do funcionamento de seus órgãos, a redução na pressão intracraniana, o descarte do risco de morte.
Entre os médicos, um prefere ver o copo meio cheio. A pressão intracraniana está mais alta do que deveria? Sim. Há risco? Sim. Mas poderia ser pior se a oscilação ocorresse de forma abrupta, o que não está sendo o caso dela. Há um certo equilíbrio na oscilação. Minha amiga não quer conversar sobre o assunto com ninguém, está firme nesta linha de esperança pelo equilíbrio. O que só demonstra o equilíbrio que ela tem, pois eu sei da falta que ela sente da outra irmã.
Era rotina das três saírem para tomar um café e papearem. Ah, como deve ser maravilhoso sair para papear com irmãs com quem temos mais do que laços sanguíneos. Com quem temos histórias de vida em comum, com quem podemos ser nós mesmas, com quem nos conhecem e facilmente inserem uma história vivida por todas, com garantia de gargalhadas ou lamentos.
Eu só tive um irmão. Também tive histórias com ele. Há dez anos não o tenho mais aqui para conversarmos, mas, deve ser diferente conversar com irmãs. Imagino que em segundos devam passar de problemas conjugais para jejum intermitente. Que delícia! Ninguém a impressionar. Falar besteira e coisa séria. E se houver lealdade, é o combo perfeito.
Sei que minha amiga sente falta deste encontro do trio, mas seguia em dupla, tentando voltar a ver alegria na vida. Agora, deve rondar em sua mente o medo de ter de ir sozinha para o café. Mas ela não é de abraçar medos. Ela deixa-os ir. Prefere agarrar-se a esperança. Não a que espera passivamente, mas a que vem do verbo esperançar, como dizia Paulo Freire, a que busca fazer de outro modo e não desiste. Então, é hora de esperançarmos junto com ela. De buscar opiniões médicas, recursos hospitalares, exames, casos similares.
Família e amigos estão em oração, mentalização, luz e fé. Ciência e espiritualidade unidas ao propósito da vida. Sem explicações. Porque assim é.