Ouvindo o relato de viagem de um querido, anotei a expressão que ele usou para explicar seu comportamento no grupo durante uma viagem terrestre. “Preferi ficar no meu silêncio confortável, disse.
Ele disse que ficou incomodado diante de tantos assuntos pessoais que começaram a surgir para preencher a lacuna de oito horas de viagem. Imagino que para ele, que valoriza as pausas, não deve ter sido fácil viajar com um grupo de trabalho durante oito horas.

Nestas ocasiões, as pessoas buscam assunto do nada. Começam a falar qualquer coisa. Em seguida, compartilham curiosidades do local para onde estão indo. Uma risada aqui, uma recomendação ali. Mas quando não há mais refúgio e o silêncio surge, a impressão é que o grupo está desconectado, sem liga, e isso constrange os que calculam as muitas horas restantes até o destino.

O jeito é começar a buscar assuntos do além. Vale até segredos familiares! As pessoas compartilham seus casos de separação conjugal com quem não têm a menor intimidade. E falam e falam.
Falam de problemas dos filhos, de futebol, de gostos musicais, de filmes, de culinária. É preciso esgotar todas as possibilidades para que o temível silêncio não volte. Mas ele volta. E o mais provável é que seja expulso de novo.

Uma viagem é um momento excelente para repensarmos a vida. Tomei uma grande decisão profissional depois que viajei sozinha e assim fiquei num lugar paradisíaco. É quase certo que muitos da pousada não observaram as belezas que admirei, pois o comportamento geral era a tagarelice sobre suas vidas ali também.
Estranharam quando eu recusei convite para um passeio incrível porque queria ficar sozinha lendo o livro A essencial arte de parar. “Você viajou para ficar fazendo nada na pousada?”, criticaram. Ah, se soubessem que eu nunca tinha tempo para fazer nada…Aquele momento de pausa estava sendo mais esperado do que qualquer passeio.

Não deve ser por acaso as pausas entre as notas das músicas clássicas. Assim como as pausas entre os versos da poesia. Mas também não é por acaso que as canções populares insiram o lá-lá-lá nas pausas. Para não parecer que não se tinha mais o que dizer. Mas é preciso mesmo dizer algo o tempo todo?

Conheci um casal admirável que dizia que gostava muito de viver na mesma casa, pois sentiam que tinham a liberdade de ficar quietos. Achei isso maravilhoso! Contaram que era comum cada um ficar num canto da casa fazendo o que queriam: um com o livro, o outro com o pet, por exemplo. A presença deles estava no silêncio e no respeito de fazerem o que gostavam. De vez em quando um lembrava o outro que estava na casa e soltava um afetuoso grito “Te amo”, e seguiam com seus momentos de solitude.

Quando voltavam a conversar, tinham assuntos interessantes sobre suas descobertas neste período, pois a mente estava resetada. Não havia o desgaste da relação pelo exagero da voz do outro ou pela intromissão nos pequenos prazeres individuais. Penso que conviver seja isso, a dois ou em grupo, numa casa ou numa viagem.
Permitir que o espaço acolha, em vez de invadir o espaço, pode trazer agradáveis reencontros com nossas verdades. E se cada um trouxer sua verdade para o próximo diálogo, nem sentiremos o tempo passar.

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CITADO NO TEXTO