A máxima franciscana É dando que se recebe é muito usada de modo equivocado. O sujeito faz uma boa ação e logo alguém lança o reforço positivo “É isso aí! É dando que se recebe!”. Como se a doação valesse a pena porque tem garantia de coisa boa de volta.

Prefiro acreditar que Francisco de Assis não estava aconselhando o povo a dar seus bens, como ele fez ao abrir mão de sua vida próspera, para receber mais de volta.

Melhor pensar que aquele homem pertencente à família italiana de alto nível social não condicionara suas doações, mas atestara o fluxo da vida.

Que é o testemunho de alguém, pobre e sem rumo, vagante pelas ruas com o propósito de obedecer a Deus, que obteve abrigo e comida por onde passou, o suficiente para ele.

O sentido desta expressão eternizada na Oração de São Francisco é similar ao que os cientistas quânticos afirmam sobre a Lei da Atração: atraímos amor quando emanamos amor; atraímos prosperidade quando soltamos as dificuldades e emanamos facilidade.

Ao observarmos o nosso bumerangue da vida, veremos que doamos e recebemos vários pequenos presentes todos dias, considerando presente o que surgiu sem que esperássemos, como aquele centímetro de chocolate acompanhando o café que compramos na lanchonete.

Que sensação boa quando aquele chocolatinho surge no pires do café…

Mesmo se pudéssemos comprar uma barra dez vezes maior do aquele minúsculo pedaço gratuito, ela não provocaria a mesma sensação.

É parecido com o que sentimos ao ouvirmos pelo rádio a música preferida. Ela pode estar na nossa playlist disponível para ouvirmos quando quisermos, mas quando “sai no rádio” a sensação é mil vezes melhor.

Por que?

Porque é presente. Veio sem você pedir, comprar, determinar.

Talvez explique por que a brincadeira de amigo oculto de fim de ano perdeu a graça quando começaram a fazer lista de sugestões de presentes. Foi-se a surpresa. Ficou o controle.

Os presentes nossos de cada dia podem vir sob a forma material, mas também como conselho, dicas de livro, de aplicativo, de música, sob a escuta respeitosa de alguém.  Qualquer bônus que ajude a gente a subir um degrau na vida.

Mas, para isso, precisamos do outro, relacionar-se, ouvir e ser ouvido, dar espaço para o outro agir para trazer o presente que já é nosso.

Dia desses conversava com um amigo sobre crenças inconscientes, assunto pelo qual tenho grande interesse. Ele compartilhou comigo informações sobre uma técnica que ativa 32 pontos no cérebro para desassociar memórias negativas das nossas atitudes do agora.

O pesquisador Eckhart Tolle, autor de O Poder do Agora, há muito vem defendendo a importância de nos separarmos do que nos acontece, mas insistimos em enrolar os acontecimentos na nossa história.

A emoção em si não é infelicidade. Apenas a emoção associada a uma história triste é infelicidade”, disse ele no livro “O despertar de uma nova consciência”.

À proporção que meu amigo explicava sobre a técnica e a profissional capacitada que a desenvolvia, eu experimentava a sensação boa de expansão do conhecimento. Mais um presente.

Finalizamos a conversa e nosso dia seguiu com sua rotina costumeira. Poucas horas depois, recebo dele a seguinte mensagem de texto, via celular:

–  Pode agendar sua consulta. Já está paga.

Como assim?, digitei com olhos arregalados para o aparelho.

–  Presente atrasado de aniversário.

Detalhe: meu aniversário havia sido oito meses antes daquela conversa, e, desde que ele foi morar noutro Estado, há uns 20 anos, não mantivemos o hábito de nos presentearmos nas datas de aniversário. Ou seja, ele inventou uma justificativa para sua gentileza.

Estou sem palavras, amigo…

É retorno. Quando puder, faça por alguém.

Eu achei isso de uma grandeza…

Não bastasse ele ter me presenteado, ainda foi capaz de reconhecer que está retornando ao universo o que fizeram por ele, e pede para eu não quebrar a corrente do bem.

Este gesto é infinitamente mais valioso do que o valor da consulta. Meu amigo consegue ser maior do que o gigante de alma como eu sempre o enxerguei.

Passei adiante a dica-presente para outra pessoa querida, que já iniciou as sessões, obtendo resultado positivos para sua vida.

Este fluxo do dar e receber está acontecendo agora ao seu redor. A todo instante tem alguém fazendo algo para outro alguém. Até mesmo nas relações mais frias como as virtuais.

Já presenciei várias doações espontâneas nos jogos virtuais entre crianças. Quando perguntei o porquê daquele presente ter surgido de alguém que a pessoinha nem conhece, a resposta pura resumiu:

Do nada.

“Do nada” traduz o desinteresse nesta doação. Durante o jogo online, os participantes conversam sobre os acessórios que cada um tem. Eles gostam mais dos que são pagos, por serem mais criativos ou melhorarem o desempenho do jogo.

Aquele que tem o que o outro não tem, oferece a doação. E forma-se uma vibração interessante entre eles, pois comemoram quando o outro passa a ter aquele gorro raro com orelha de coelho.

Só precisam ser lembrados de que não foi “do nada”, pois estão recebendo o que doaram antes para outras pessoas.

Se fizermos uma lista dos presentes que recebemos “do nada” em 2020, teremos a mais valiosa lista de todos os tempos, pois, se você está lendo este texto, é porque sua vida está preservada da pandemia que arrastou milhares de pessoas do mundo terrestre para outra dimensão.

A vida teria que vir, então, no topo desta lista, assim como os pequenos e despercebidos hábitos de respirar, cheirar e sentir o gosto do alimento. Presentes gratuitos, também denominados por bênçãos aos que creem em Deus.

Para não deixar acumular a lista da gratidão, podemos fazer mentalmente esta relação todos os dias, ao deitarmos para dormir.

É uma boa hora para reverenciarmos aquela dica que recebemos para executarmos um projeto, o convite de um amigo saudoso para um café (quem sabe vem com o chocolatinho!), o conselho certeiro, a plantinha que deu mais vida à casa, o pão de queijo fofinho, o resultado negativo do exame, a declaração de afeto, o perdão pela falha cometida…

Certamente, dormiremos com a sensação boa de que recebemos mais bônus do que ônus.

No dia seguinte, se puder, faça por alguém. É retorno.

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OUÇA!

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